Este sábado, os salões da Embaixada de Portugal em Paris acolhem a tomada de posse da SEDES Europa, evento durante o qual será apresentado um relatório sobre a diáspora e as eleições. Os autores do documento – dos quais faço parte – defendem a uniformização das modalidades de voto e a instauração do escrutínio eletrónico não presencial, por considerarem que os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro apresentam um “conjunto de especificidades que requerem um tratamento diferenciado dos restantes votantes em território nacional”. Embora a questão embarace eleitos e estruturas partidárias, os membros do novo núcleo da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES) – organização cívica fundada em 1970 – consideram tratar-se de uma matéria cuja discussão não mais pode ser adiada.
Em fevereiro de 2022, quando o Tribunal Constitucional mandou repetir as eleições legislativas nas assembleias de voto do círculo da Europa, Portugal não teve outra saída senão reconhecer a existência de um problema que se arrasta há já meio século. Volvidos quase dois anos, nada foi feito. Uma vez que o artigo 49.º da Constituição define o voto como um direito e um dever cívico, cabe ao Estado assegurar as condições para que seja exercido condignamente pelos eleitores residentes fora do território nacional. Em 45 anos, nas 15 eleições que decorreram entre a Constituinte de 1974 e as Legislativas de 2019, foram contabilizados apenas 970 000 votos além-fronteiras. Em março de 2022, exerceram o seu dever cívico 175 000 eleitores, mas a taxa de abstenção rondava ainda os 90%. Quase sempre, estas cifras são justificadas pelo mero desinteresse de quem foi viver para fora, passando sob silêncio as questões contextuais.
A diáspora vota em quatro atos eleitorais. Para as Presidenciais, Europeias e o Conselho das Comunidades Portuguesas, o escrutínio é obrigatoriamente presencial. Para as Legislativas, faz-se apenas por correspondência, salvo pedido antecipado para votar no posto consular. O voto presencial levanta a questão da distância. Não raro, os emigrantes têm de percorrer dezenas ou centenas de quilómetros, casos há em que estão a várias horas de avião da urna mais próxima. Por seu turno, o voto por correspondência suscita outros problemas. A cada escrutínio, milhares de boletins são devolvidos ao remetente por moradas erradas, outros ou não chegam atempadamente ao eleitor ou não regressam a Lisboa dentro do prazo estipulado para serem contabilizados e muitos votos – 35 000 em 2019! – são anulados por falta de documentação. No que diz respeito às Legislativas, de modo recorrente, os resultados dos círculos eleitorais da Europa e Fora da Europa ainda não são conhecidos e já o Governo está praticamente constituído. Sinal de profundo desrespeito por quem vive lá fora, tal prática potencia índices ainda mais altos de abstenção. É por isso que a SEDES Europa propõe o recurso ao voto eletrónico à distância (i-voting), contrariamente à sugestão da atual maioria parlamentar de instituir um voto eletrónico presencial (e-voting) nos consulados que nada resolveria.
O caráter secreto do voto e a proteção de dados pessoais são regularmente apontados como os principais obstáculos à adoção do i-voting, considerado mais permeável a fraudes eleitorais. A questão é pertinente. Uma tal mudança não pode ser efetuada sem as devidas alterações legislativas e uma análise meticulosa dos eventuais riscos técnicos. O voto eletrónico deve ser seguro, tal como a apresentação de declaração de impostos, pagamentos de coimas, escrituras públicas, atos notariados, constituição de empresas, movimentação de contas bancárias, contratação de prestação de serviços e outros processos online já em vigor. Embora a Estónia seja o único país da UE que tenha introduzido o i-voting para todos os eleitores, países como a França, Estados-Unidos ou Suíça recorrem já a este método para as suas diásporas.
Por detrás da alergia ao voto da diáspora portuguesa, está também o receio de que a voz de quem esteja lá fora possa ter demasiada impacto para quem viva cá dentro, embora tal razão nunca seja claramente assumida pelos partidos. A meu ver, introduz a perigosa diferença entre cidadãos de primeira e de segunda. E convém não esquecer que muitos dos que partiram o fizeram porque o seu país não lhes dava condições para uma vida condigna – o que alguns sociólogos designam como um “voto pelos pés” –, e não por desprezo das origens ou simples sede de aventura.