As palavras que que António Guterres proferiu durante uma reunião na ONU na qual, embora condenando-os, disse que os ataques do Hamas "não vêm do nada", lembrando os 56 anos de "ocupação sufocante" da Palestina, foram motivo de polémica, com a reação de Israel a pedir a sua demissão imediata. Em Portugal pediram-se à esquerda medidas de desagravo, mas comentadores reconheceram que as frases não foram felizes, ambíguas, dando contexto ao ataque realizado. A reação de Israel foi exagerada e desproporcional.
A afirmação de Guterres vai em contramão dos discursos dos líderes internacionais, que preferiram declarações apaziguadoras, reconhecendo o direito à defesa mas pugnando por um cessar fogo e pelo respeito pelo direito humanitário internacional.
No papel de secretário geral da ONU, Guterres, pela sua inegável experiência, sabe que as suas palavras têm de ser sempre medidas e exatas e sem outro propósito que não um contributo para a paz. Fica a sensação amarga que se rendeu à constatação que a ONU não dispõe de verdadeiro poder. Não é de agora. Logo após o 11 de setembro de 2001 o então comentador Marcelo vaticinou que as primeiras declarações de Bush iriam no sentido de solicitar à ONU um mandato para combater os terroristas nos países que lhes davam abrigo, mas os Estados Unidos auto legitimaram-se para esse desiderato.
A ONU manda, mas não lhe obedecem. Vã glória, sem poder. Não tem capacidade militar para impor as suas resoluções. O seu órgão mais importante na prática é o Conselho de Segurança, onde os cincos membros permanentes dispõe de direito de veto. As propostas impactantes com origem na Rússia ou na China são vetadas pelos Estados Unidos e vice-versa. Estes países têm uma importância no mundo e dentro da organização maior que a própria organização e os seus dirigentes. A ONU toma resoluções no plenário relativamente à invasão da Rússia e à questão palestiniano-israelita e tudo fica na mesma. A Israel importa muitíssimo mais o que os Estados Unidos pensam do que a ONU. Neste contexto, Guterres cansou-se da diplomacia e da falta de poder e disse o que pensa. Talvez já admita regressar ao país e aceitar o convite de Costa para se candidatar às presidenciais.
A ONU tornou-se uma instituição analógica – mas ainda a tempo de se reestruturar para que não se torne no “non”, a terrível palavra para o Padre António Vieira – no tempo do digital e da inteligência artificial, o que transporta para o evento que decorreu em Braga na passada sexta-feira, a conferência com Alumni na Universidade do Minho “navegando pelo presente e futuro da IA”, onde a conferencista Daniela Braga foi uma agradável surpresa, dotada de conhecimentos e com uma elevada capacidade de os comunicar. As organizações internacionais políticas mostram-se incapazes de acompanhar os efeitos do progresso em matéria de IA, onde os Estados Unidos e a China são os construtores e os outros países meros compradores do que as duas grandes potências lhes quiserem vender e em que a conceção e construção passou da esfera pública para a privada. Não se abordou a questão militar, designadamente sobre o perigo do uso da IA no contexto militar, quando é uma máquina que toma decisões de vida ou de morte, como desenvolve a recente série da Netflix “Unknown: Killer Robots”, que apresenta uma análise penetrante de como os avanços tecnológicos na IA estão a modificar as dinâmicas da guerra. A série ressalta o poder latente e a potencial ameaça que essas tecnologias avançadas podem representar para a humanidade, intensificada pelo depoimento do Dr. Sean Ekins, um especialista que usou a IA para identificar moléculas não tóxicas com potencial para tratar doenças. No entanto, uma demonstração das suas capacidades para destacar os perigos da IA acabou por gerar conceitos para mais de 40.000 armas químicas, algumas muitíssimo letais.
Diz-se que a questão não é se a IA vai superar a inteligência humana, mas sim quando. Os grandes modelos de linguagem (LLMs) como o GPT, o Falcon ou o Copilot, parecem saber tudo, respondem a tudo, na transformação das nossas palavras na ferramenta de produtividade mais poderosa do planeta. Santo Agostinho escrevia nas “Confissões”: “Que é, pois, o Tempo? Se ninguém me pergunta eu sei, mas se desejo explicar a quem me pergunta não o sei”. É admirável a capacidade humana de aceitar socraticamente que não sabe.