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A Morte não chega de véspera, ou talvez!

 

 

 

 

 

 

O dito popular que nos remete para a despreocupação com que devemos encarar o destino inevitável de cada um(a), serve de analogia para o que deve ser uma leitura apriorística quanto baste, realista o suficiente, face à iminência de uma catástrofe para metade do mundo democrático que em 2024 vai a eleições. Índia, Estados Unidos, Indonésia, Brasil, México, Paquistão, África do Sul, a que se juntam as eleições internas na Alemanha e as eleições para o Parlamento Europeu, estão na calha para aquele que será um dos maiores desafios a enfrentar pelos que vivem em Democracia e amam a Liberdade. Se o trabalho já era hercúleo, tudo se complicou com a entrada em cena de um autêntico “parasita de base tecnológica” chamado Inteligência Artificial ao dispor dos iliberais, radicais, autocratas e donos dos desmandos da dita “verdade alternativa” com que são minados os fundamentos do sistema democrático. Anteontem, mais uma vez, ouviu-se falar da perigosa utilização desmedida e sem controlo da desinformação que invade o nosso quotidiano. Foi em Bruxelas, num quadro de expectativa crescente em torno dos processos legislativos, que a Comissão Europeia prepara para proteger os seus cidadãos. À mesma mesa estiveram o Fundo para os Media da Fundação Gulbenkian, o Instituto Universitário Europeu e a Google, para lá de jornalistas, investigadores, representantes da CE e Maria Ressa, Prémio Nobel, da Paz, o ano passado. Interessante e quase burlesco, para não dizer absurdo, que na mesma sala, estivessem responsáveis da Google a defenderem a sua dama – sendo esta responsável pela circulação de desinformação e potenciadora da vitória de muitos antidemocratas – e o fundador do ChatGTP, Sam Altman, que se confessou autor de uma ferramenta que provoca desinformação e pode potenciar a manipulação em períodos eleitorais. O modelo de IA generativa é, per si, um instrumento poderoso para a criação de texto, vídeos e imagens com a agravante de os espalharem individualmente podendo “trabalhar” ao nível da perceção e dessa forma, manipular a vontade e a decisão de cada um em contacto eleitoral. A Google diz agora, para nos tentar sossegar, que tem um protótipo para detetar a desinformação, mas não adiantou quando o colocará à disposição e se o vai colocar. Devemos esperar o pior de quem tem contribuído ativamente, para de forma degenerativa, minar as democracias e se tem assumido, na prática, como um poder não eleito, capaz de derrubar governos, manipular vontades e eleger fantoches. Responder a esta arma poderosa passa sempre pela regulação escrupulosa com que baseamos as nossas relações nas redes sociais, em contexto da sociedade instantânea e esclarecer até à exaustão, informar de forma clara e chegar a cada uma e a cada um dos europeus com mensagens claras. Sabendo das dificuldades acrescidas que enfrentaremos nas próximas eleições europeias, a 9 de junho, a Comissão europeia tem a obrigação de arrepiar caminho, eliminar estereótipos nos processos de comunicação e de uma proximidade falsa, fraca, exígua e quase inócua com os eleitores que não servem nem respondem às expectativas dos europeus e fazer o que tem de ser feito: esclarecer, esclarecer e esclarecer. Comunicar não é informar, debater a Europa sempre com os mesmos, nos mesmos lugares e numa linguagem pouco convidativa é perda de tempo. O que os eleitores querem mesmo, é uma resposta concreta, prática e capaz de responder aos seus anseios em domínios básicos como o acesso a condições de vida satisfatórias, sem fome, a um futuro onde as áreas da Educação, Saúde, Habitação, são tratadas por igual, onde as preocupações com as alterações climáticas são transversais. E sobretudo, querem tudo isto num período curto de tempo e não apenas compromissos para as próximas gerações. As promessas falsas e bondosas dos autocratas, dos iliberais e dos extremistas, sejam de que espectro forem, são uma ilusão, sabem a brinde e sabem bem aos ouvidos dos que, não tendo nada a perder, acham que vale apena dar uma oportunidade aos “novos profetas”. Os atuais e futuros candidatos ao Parlamento Europeu têm muito trabalho pela frente. Uma das tarefas primordiais é saírem da caixa, reinventarem a sua linguagem e criarem um programa de intervenção que convença os eleitores que vale apena continuar a acreditar na Europa enquanto espaço comum de povos que querem viver em Democracia, em Liberdade e que, acima de tudo, não querem morrer de véspera.

 

 

 

 

 

 

 

 

Paulo Sousa

Paulo Sousa

29 outubro 2023