O povo de Israel está a celebrar, hoje mesmo, o Dia do Perdão (Yom Kippur)1, o mais sagrado do calendário judaico (chama-lhe “Sábado dos Sábados”) e uma das suas datas mais importantes. Na sinagoga, vestido de branco2, o povo pede perdão a Deus pelas suas faltas e pecados.
Segundo a tradição judaica, no Ano Novo, Deus julga a humanidade e regista a sua sentença no Livro da Vida, oferecendo, contudo, um período de reflexão de dez dias para os pecadores se arrependerem. Findo esse tempo, o Livro da Vida é fechado e selado.
Durante o Yom Kippur, deve observar-se um conjunto de restrições que visam aproximar a pessoa de si mesma, do próximo e de Deus: não se pode comer nem beber, usar roupa e calçado de couro (porque pressupõe a morte de um animal), tomar banho, usar perfumes ou cremes. Também não se pode ter relações sexuais, trabalhar, usar aparelhos eletrónicos e eletricidade, acender fogo ou fumar. As mulheres grávidas, as que deram à luz há menos de trinta dias, os doentes e as crianças estão isentos de jejuar.
A origem deste dia está no pecado do bezerro de ouro (Ex 34). Após isso, Moisés rezou, Deus perdoou ao seu povo e deu esta ordem a Moisés: “No décimo dia deste sétimo mês, que é o dia do perdão, fareis uma assembleia sagrada; fareis penitência e apresentareis uma oferta queimada em honra do Senhor. Não fareis nenhum trabalho nesse mesmo dia, porque é um dia de perdão, para se fazer sobre vós o rito da expiação diante do Senhor, vosso Deus. (...) Este dia é para vós um dia de descanso absoluto, durante o qual jejuareis; a partir do nono dia do mês, de uma a outra tarde, observareis o vosso descanso sabático” (Lv 23, 27-28.32)3.
O Yom Kippur começa com a oração Kol Nidré (“todos os votos”), pouco antes do anoitecer, em que se sublinha a importância de cumprir os votos e não violar um juramento. As promessas feitas e não cumpridas, no ano anterior, são, perante Deus, anuladas. Durante o dia, são três as orações em que se invoca o perdão e se manifesta o arrependimento (teshuvah): shacharit (de manhã), minchah (no meio da tarde) e maariv (ao anoitecer). A última oração deste dia é a neilah (literalmente, “fecho”), derradeira oportunidade para o arrependimento. Acontece no crepúsculo que fecha o Yom Kippur, com as pessoas em pé e as portas da Arca onde se guardam os rolos da Torah abertas, sugerindo que, naquele momento, estão ainda abertas as portas do Paraíso.
A celebração conclui-se com a repetição, por sete vezes, da frase “O Senhor é o nosso Deus”. Soa o shofar (chifre de carneiro) e a assembleia proclama: “No próximo ano, em Jerusalém”. Inicia-se, então, um grande banquete, na maior parte das vezes em família, em que se come kugel doce, roscas, bolos e queijos, entre outros.
A saudação habitual, ao longo deste dia, é: “Que estejas inscrito no Livro da Vida” e uma parte importante da sua celebração é o Vidui (confissão), feito no plural, lembrando a pertença à comunidade.
Independentemente da tradição religiosa de cada um (os cristãos têm a Quaresma e os islâmicos o Ramadão), todos precisamos de um tempo assim, de jejum completo, de comportamento ascético, de oração intensa e de confissão sincera dos pecados. Quem o não experimenta passa ao lado da oportunidade de um tempo novo, em que a renovação interior torna possível a vida nova.
1 A celebração está a acontecer desde a tarde de ontem, dia 24, até à tarde de hoje, dia 25. Trata-se de uma data móvel e acontece no décimo dia a seguir ao Rosh Hashanah, o Ano Novo judaico, que se celebra no primeiro dia do mês de Tishrei. O Yom Kippur completa o período anual conhecido no judaísmo com a expressão Yamim Norahim (Dias de Temor). Dado que os judeus utilizam um calendário lunissolar, os anos podem ter entre 353 e 385 dias, pelo que estas festas ocorrem, em cada ano, em datas diferentes. Além disso, no calendário judaico, o dia estende-se entre o anoitecer de um dia e o anoitecer do dia seguinte.
2 Alguns usam mesmo o talit, a veste branca com que se revestem nas orações e com que serão sepultados.
3 O mesmo livro do Levítico apresenta, no seu capítulo 16, a liturgia que, neste dia, acontecia (ou devia acontecer), no Templo de Jerusalém, onde se fundamenta a tradição do “bode expiatório”: em rituais antigos relacionados com o Yom Kippur, um rabino, no alto de um penhasco, colocava as mãos sobre um bode e dizia, em voz alta, os pecados cometidos pela comunidade, durante o ano. O bode era então atirado do penhasco e morria na queda. Com a sua morte, eram expiados os pecados de toda a comunidade.