O Senhor André foi um carteiro impecável. De uma competência inexcedível, para usar a terminologia comum adequada. Durante o período mais significativo da minha adolescência, fez-me chegar às mãos abundante correspondência. Postais, cartas e encomendas, claro, mas era sobretudo um extenso rol de publicações periódicas o que ele quase quotidianamente me colocava na caixa do correio. Foi o meu carteiro durante muitos anos – e com que ansiedade o aguardei tantas vezes... Posso garantir sem exagero que bastava o nome e a localidade para que a entrega me ficasse garantida. Profissionais como o Senhor André souberam prestigiar uma empresa que hoje, no que diz respeito à distribuição postal, é gerida segundo critérios que parecem ou são indiferentes ao trabalho bem feito. Bons tempos, pois, aqueles em que os CTT funcionavam primorosamente.
A empresa, ao longo da sua história, sempre teve trabalhadores competentes e chefias que, se não os valorizavam devidamente, pelo menos não lhes impediam o profissionalismo e, amiúde, até, a amabilidade. Pedia-se ao carteiro para, por exemplo, ter cuidado com alguma revista e ele garantia que chegasse às mãos impecavelmente e no dia certo. Mas essa deixou de ser a regra. A correspondência, desde há anos, chega quando calha e se o azar não impedir que calhe de chegar. Se for uma revista, pode suceder que fique à entrada da caixa do correio ou que seja esfrangalhada até que encaixe totalmente – quando não é posta no local errado. O pedido de cuidado a um carteiro poderá ser bem acolhido, mas é provável que, quando a cautela for necessária, o carteiro seja outro.
Em certa ocasião, julguei didáctico apresentar uma queixa por causa da colocação na caixa do correio de uma nota de liquidação da Autoridade Tributária endereçada a outra pessoa qualquer. Telefonei para o número que recebe as reclamações para indagar se alguém passaria a levantar a carta para a depositar na caixa do correio correcta ou se deveria ser eu a cumprir a tarefa dos CTT. A reclamação ficou registada, mas não me responderam. Poucos dias depois, consegui avistar o carteiro, tarefa que não era fácil porque ele percorria a rua de mota com rapidez. Fui ter com ele e pedi-lhe o favor de ter um pouco mais de atenção. Disse-me que a teria, mas quanto ao erro com a carta da Autoridade Tributária não tinha culpa porque era o primeiro dia em que estava a fazer aquela ronda. É bem possível, ainda que, de capacete, todos os carteiros sejam iguais. Tempos passados, a senhora que, apeada, distribuía o correio tocou à campainha. Queria pedir desculpa pelo engano que tinha ocorrido. Dei-lhe conta que a ocorrência não tinha sido protagonizada por ela. O sucedido parece corresponder a um padrão. O carteiro a quem se pede cautela não é o carteiro que o não teve.
Braga cresceu muito e é obviamente compreensível que sem um endereço completo a correspondência não seja confiada ao destinatário, mas as coisas mudaram de tal modo que a direcção integral e exacta não serve hoje, com uma deplorável constância, para nada. Não se extraviando, é distribuída de longe a longe e à molhada. Diversas vezes, quando alguma missiva com uma referência para um pagamento chega – se chega – o prazo de pagamento já terminou ou, com sorte, está prestes a terminar.
As falhas, com consequências pouco ou muito incómodas, são abundantes e de géneros variados. Seriam necessárias múltiplas páginas para as documentar exaustivamente. Poderá dizer-se que a responsabilidade pela colocação do correio danificado ou nos sítios errados, por exemplo, é, em primeiro lugar, do carteiro. O certo é que quando estas situações são sobejamente conhecidas e se tornam demasiado banais a responsabilidade – ou, melhor dizendo, a falta dela – tem inevitavelmente de ser transferida para quem, em algum nível da direção da empresa, não quer cuidar da distribuição postal. A incompetência é, pois, em primeiro lugar, dos incumbidos de administrar.
O problema poderia ter fácil resolução. Como nem todos sabem, podem ou querem trocar papelada na caixa no correio por aplicações nos smartphones, a distribuição de correspondência melhoraria se os CTT tivessem de pagar uma multa ao destinatário por cada carta que se atrasasse ou extraviasse. Uma multa correspondente, por exemplo, ao que desembolsam os que têm de pagar as contas fora do prazo por causa da incompetência dos Correios; uma multa que fosse também uma indemnização para minorar os incómodos provocados por uma empresa que se furta a cumprir as obrigações que lhe estão confiadas.
É provável que o Senhor André achasse bem.