1. Quando participava em sessões de preparação para o Matrimónio (CPM) era meu hábito lembrar aos noivos haver duas formas de dizer que a sopa está salgada. Uma, com arrogância e resmunguice, conduz à indignação e à revolta; outra, com amizade e compreensão, dá origem a pedidos de desculpas e gestos de carinho. Não se trata de adulterar a verdade. Se a sopa está salgada é essa a verdade a transmitir. Há, todavia, modos de o fazer.
Lembrei-me disto ao ler a mensagem do Papa Francisco para o próximo Dia Mundial das Comunicações Sociais, que tem por tema «Falar com o coração. Testemunhando a verdade no amor».
2. Considero o jornalista um grande servidor do bem comum. Através das mensagens que transmite contribui para a existência de cidadãos cada vez mais conscientes, mais livres, mais responsáveis, e para a correta formação da opinião pública.
A primeira coisa que se lhe exige é que seja um transmissor fiel da verdade e não um divulgador de boatos.
3. Dizer a verdade com amor exige que se não confunda o erro com a pessoa que erra. O erro denuncia-se e combate-se; a pessoa, respeita-se.
A missão do jornalista é a de informar e não a de julgar. Apresenta os factos com o máximo de verdade, de objetividade, de isenção.
4. Deve respeitar-se ao acusado o direito de se justificar e defender. Exercer o direito do contraditório, apresentando a sua versão dos factos.
5. Informar não deve ser sinónimo de difamar. Muito menos de caluniar.
Discordo da afirmação segundo a qual a verdade é para se dizer. Que se diga a verdade, sim. Mas nem toda a verdade é para colocar na praça pública. Há verdades que devem ser ditas a quem, onde, quando e como devem ser ditas. Há segredos que devem ser guardados. Não apenas o maltratado segredo de justiça.
Há casos em que não vem nenhum mal ao mundo se, no relato dos factos, se omitir o nome dos presumíveis ou verdadeiros autores.
6. Podem-se classificar os atos mas não se devem classificar as pessoas que os praticam.
Informar, tendo provas do facto, que determinada pessoa roubou ou furtou não confere ao jornalista o direito de lhe chamar ladrão. A Igreja corrigiu, há anos, o texto de uma das preces da Oração Universal de Sexta-Feira Santa. Hoje reza-se pelo povo judeu e não, como se dizia, pelos pérfidos judeus.
Para o jornalista a linguagem é a dos factos e não a dos adjetivos qualificativos.
7. Há verdades agradáveis e desagradáveis. Todas devem ser comunicadas sempre que o bem comum e o interesse público o exijam. É notícia dizer que determinado indivíduo repartiu pelos pobres o prémio do Euromilhões como é notícia informar que determinado indivíduo, abusando do seu cargo, lesou em milhões o erário público. Tanto é notícia informar que um indivíduo recebeu uma comenda pelo bem que fez como dizer que um outro indivíduo foi condenado a vários anos de prisão efetiva por abusos praticados.
Em ambos os casos existe a pessoa, o ser humano, que deve ser respeitado. Também as verdades desagradáveis devem ser transmitidas com respeito pelas pessoas que nelas intervêm. Nada de chamar nomes ou insultar.
8. Dizer verdades incómodas tem um preço. Há quem o tenha pago com a vida. Não é preciso recuar a João Batista (Marcos 6, 14-29) e a Jesus Cristo. No texto evangélico da cura do cego de Jericó (João 9, 1-41) este, por ter dito a verdade, foi expulso da sinagoga. E para evitarem problemas, os pais não o defenderam.
As Nações Unidas anunciaram em novembro de 2022 que nos últimos dez anos pelo menos 958 jornalistas tinham sido assassinados; mais de mil estavam presos; 64 continuavam desaparecidos.