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Um expoente musical

A programação da Semana Santa de Braga oferece-nos, amanhã, dia 4 de abril, às 21h 30, a Passio et Mors Domini Nostri Jesu Christi Secundum Lucam, do Padre Joaquim Gonçalves dos Santos. Será na Sé Catedral e terá como intérpretes a Orquestra e o Coro do Distrito de Braga. Porque gosto de música, tive o P. Joaquim Santos como professor e pertenço à Direção da Orquestra e do Coro acima referidos, aplaudo a iniciativa.

Quanto à referida Paixão, para 5 solistas, coro misto e orquestra, estou naturalmente curioso. Foi executada, em estreia absoluta, na Igreja de S. Paulo, no dia 19 de novembro passado, aquando da comemoração dos 450 anos do Seminário Conciliar de Braga. Na altura, não tive oportunidade de a escutar, mas ouvi falar da sua qualidade e grandeza, uma obra musical ao nível do melhor que por aí se tem composto. Dela disse o autor, em 1999, que era o “culminar dum antigo e lindo sonho (...) desde as cerimónias que então se faziam na Sé de Braga... e já lá vão mais de quarenta anos!”. Não sei ao certo a que se referia, mas devo dizer que, nos inícios da década de 80 do século passado, participei em muitas cerimónias religiosas da Semana Santa de Braga a que a beleza, a qualidade e a imponência da música conferiam uma qualidade litúrgica, artística e espiritual ímpares. Que dizer do diálogo entre a Missa de Angelis (canto gregoriano) e a polifonia do saudoso Cónego Manuel Faria? Guardo disso gratas recordações e uma enorme saudade. 

Quanto ao Padre Joaquim Santos, era um homem simples, humilde e discreto, muito humano e um bom amigo. A par disso, possuía a genialidade dos artistas e a preparação técnica dos especialistas. Foi um verdadeiro expoente musical, na esteira do seu mestre Cónego Manuel Faria, o maior compositor da Diocese de Braga e de Portugal (sem desmerecer de Fernando Lopes Graça, claro!), na segunda metade do século XX.

O Padre Joaquim Santos nasceu na aldeia de Vilela, em Riodouro, Cabeceiras de Basto, a 13 de abril de 1936, e faleceu na de Moimenta, freguesia de Cavez, do mesmo concelho, a 24 de junho de 2008. Começou os seus estudos musicais nos Seminários de Braga e deu-lhes continuidade em Roma, no Pontifício Instituto de Música Sacra e no Conservatório de Santa Cecília. Regressado a Portugal em 1968, fundou coros e grupos instrumentais, nas Dioceses de Braga e Vila Real, e foi um dos fundadores e colaboradores da Nova Revista de Música Sacra. Nos Seminários Diocesanos, ensinou Canto Gregoriano, Órgão, Piano e Polifonia, assim como Composição e História da Música.

Em 1999, foi agraciado com a medalha de Mérito Concelhio, grau ouro, do município de Cabeceiras de Basto, em cuja Escola C+S foi professor de Educação Musical, por muitos anos. Confidenciou-me ser este um trabalho que muito apreciava e que chegou a compor alguns cânticos, desenvolvendo breves temas musicais que os seus alunos escreviam. Foi assim que nasceu, entre outros, o cântico Ó Virgem Santa Maria.

A sua obra ganhou expressão internacional a partir do ano 2000, altura em que o Instituto Português de Santo António, em Roma, sob a orientação do Monsenhor Agostinho Borges, apresentou a sua obra Lamentationes Jeremiae Prophetae. Teve como intérpretes o Coro do referido Instituto e a Orquestra Nova Amadeus, dirigida pelo maestro Massimo Scapin. Deste concerto fez-se registo áudio que foi, posteriormente, transmitido pela Rádio Vaticano. Após isso, muitas foram as estreias de obras suas até que, em 2006, foi homenageado pelo mesmo Instituto, com o projeto discográfico Cantabo Domino in Vita Mea, uma edição e publicação em CD de um vasto conjunto de gravações dos seus concertos.

Da sua vasta obra, destaco 24 peças para coro a cappella ou com acompanhamento instrumental, 11 para instrumento a solo, 7 concertos para instrumento solista e orquestra, 9 obras coral-sinfónicas e 1 ballet. A incidência maior da sua obra regista-se nos 155 cânticos publicados pela Nova Revista de Música Sacra e nos 19 que vieram a lume na Revista Música Nova. Conjugando a qualidade, a beleza e a simplicidade, muitos deles continuam a ser cantados na liturgia.

Se, no estrangeiro, o seu nome é bastante conhecido e a sua obra musical muito apreciada, já vai sendo tempo de, por cá, reconhecermos o seu valor e divulgarmos a sua música. Estou em crer que o concerto de amanhã prestará a esta causa um notável serviço. 

 

 

 

P. João Alberto Correia

P. João Alberto Correia

3 abril 2023