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1910 e a má sorte do lanceiro Ignácio

  1. Enquadramento mundial da Revolução de 1910). Tal como o 25 de Abril de 1974, o 5 de Outubro de 1910 nunca foi sufragado por qualquer referendo posterior (apesar de ambos invocarem representar um pretenso anseio popular “generalizado”). Se em 1974 talvez 40% da população fosse favorável à mudança (tal como ela aconteceu, incluindo a penosa descolonização), já em 1910 a facção republicana, expressa em eleições anteriores livres, nem sequer ultrapassava os 10%... O 5 de Outubro foi sobretudo, mais um preparatório da 1ª Guerra Mundial (14-18), substituindo a anterior liderança monárquica (pró-impérios centrais) por uma nova liderança republicana e maçónica, favorável à outra única república europeia (para além da pequena Suíça), a da belicosa e esquerdista França. França essa que, através das sociedades secretas e da “Entente Cordiale” de 1905, já havia capturado para o seu campo a Grã-Bretanha do grão-mestre Eduardo VII, o herdeiro rebelde da rainha Victoria, essa notável soberana. E se preparava para capturar a Rússia desse incoerente “pobre de espírito” que foi o czar Nicolau II (que os soviéticos haveriam de fuzilar em 1918). No início daquele séc. XX, os propósitos (obviamente não declarados) das sociedades secretas e da Alta Finança eram destruir (como veio a acontecer em cerca de 40 ou 50 anos) todos os impérios europeus e a própria liderança política mundial, então exercida por várias nações europeias. Destruir essa liderança em benefício das sociedades secretas e dos seus ainda hoje tão bem disfarçados intuitos.

  2. À memória de Ignácio Pereira, dos Lanceiros da Rainha).Este dedicado soldado, de olhos azuis e com bela planta física, pertencia à guarda pessoal da rainha Dª Amélia. E, preso após 1910, viria a morrer na cadeia, suponho que em Lisboa. A sua sumária história pessoal foi-me contada pelo médico e político conservador ovarense, dr. Álvaro S. Esperança, meu avô materno (1899-1988); e confirmada por seu primo, o escalabitano Ramiro Pereira, aventuroso comerciante e agricultor no NE de Moçambique, que viveu os seus últimos anos em Espinho. O leal lanceiro era um dos vários irmãos do pai desse tio Ramiro e da mãe do dr. Esperança, que eu ainda cheguei a conhecer, já idosa, no belo casarão de Ovar, hoje também desaparecido.

  3. Se na altura soubessem que o lanceiro se tornaria parente de Afonso Costa e de Luís Gomes).Talvez o seu destino fosse outro; e decerto nem teria morrido na cadeia… Eu explico melhor. Um sobrinho do lanceiro Inácio, o meu avô materno, viria a casar (por 1930) com a filha dum primo do deputado republicano dr. Elísio de Castro (de Fiães, Feira). Este era amigo fiel de Afonso Costa; ao ponto de seu filho casar com a única filha do célebre líder republicano. Neste país de “cunhas”, apenas isto já bastaria para libertar Inácio. Mas há ainda o parentesco (originado ulteriormente) com o prof. António Luís Gomes, ironicamente um dos ministros do 1º Governo Provisório de 1910…

  4. Quem foi o ministro António Luís Gomes?). Embaixador no Brasil, advogado, reitor da Univ. de Coimbra, fundador da Académica, membro respeitado do Directório Republicano (antes de 1910) e, tal o seu prestígio, escolhido para ministro do Fomento do 1º governo republicano. Cargo que aliás só ocupou 2 meses, pois recusou-se a “sanear” uma série de funcionários que não tinham aderido ao novo Regime. Viveu 99 anos e é o pai do famoso matemático Ruy Luís Gomes (m. 1984), pré-candidato filo-comunista à presidência da República em 1952; exilado na Argentina e depois, no Recife; e, desde 1974, reitor da Univ. do Porto. Seu outro irmão, António (filho) foi contudo um dos colaboradores mais fieis de Salazar. Foi por décadas director-geral da Fazenda Pública, secretário da presidência do Conselho; e mais tarde, director da fundação da Casa de Bragança. Da autoria da jornalista Luísa Luiz Gomes (n. 1962) saiu recentemente um interessante livro sobre esta família (e sobre outras), com o título “Dos 2 lados da barricada”, da editorial Planeta.

  5. Como o lanceiro Inácio se tornaria parente do ministro do Fomento de 1910).Aí já se teria de esperar mais tempo, até pouco antes de 1960, quando minha mãe (sobrinha-neta de Inácio) viria a casar com meu pai; o qual era neto de Mª das Dores Ferª de Castro (n. 1881); a qual era prima consanguínea do ministro do Fomento, originário de S. M. da Gândara e de Santiago, Olivª de Azeméis. Má sorte a de Inácio, a de estes relacionamentos com gente poderosa da República, só se concretizarem décadas depois.

  6. Nem o parentesco de Ignácio com o antigo deputado liberal Frederico Marecos o salvou).As revoluções são vorazes, impiedosas, ignorantes. É irónico que o leal membro da guarda pessoal da rainha D. Amélia era parente de sangue de 2 irmãos, antigos deputados liberais por Santarém e sucessivos directores da Imprensa Nacional (Firmo e José Frederico Pereira Marecos; este último viveu de 1802 a 44).

  7. O Regime republicano teve mortos bem mais célebres).Estou a pensar, p. ex., no grande Sidónio Pais, popular presidente da República assassinado na estação do Rossio em 14-12-1918 (só por ter tido intenções pacifistas e ter alguma simpatia pelas potências centrais, Alemanha, Austro-Hungria e Turquia). Ou no 19 de Outubro de 1921, em que um grupo de marinheiros e de soldados da GNR (liderados pelo tristemente célebre Abel Olímpio “dente de ouro”) vai a casa de vários políticos inimigos de Afonso Costa; prende-os e fuzila-os; neles incluídos o herói da Rotunda de 1910 (Machado Santos!), Carlos da Maia, Freitas da Silva e o próprio PM da época, António Granjo, natural de Chaves.

  8. Outro morto célebre foi o visconde da Ribeira Brava).Dele descende a bela e notável D. Isabel de Herédia, esposa de D. Duarte Pio, o actual duque de Bragança e seus 3 filhos; inclusive Dinis, o príncipe da Beira. O visconde, nascº em 1852 e de nome Francisco Correia de Herédia, era de famílias nobres madeirenses. Político monárquico até 1905, quando estreitou relações com o transfuga consº Alpoim, passando então a conspirador republicano e “afonsista”. Foi uma das 7 vítimas da “leva da morte”, espingardeado a 16-10-1918, durante uma transferência de presos do sidonismo.


Autor: Eduardo Tomás Alves
DM

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16 outubro 2018