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Tráfico de seres humanos está à nossa porta e no meio de nós

Tráfico de seres humanos está à nossa porta e no meio de nós
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Publicado em 05 de abril de 2017, às 22:55

Especialistas e religiosas advertem que os traficantes são inteligentes, astutos e muito ardilosos

«O horror do tráfico de seres humanos é tão grande que muitas vezes nem se acredita ou custa muito a acreditar nas histórias que contamos. O facto é que esta realidade é brutal e chocante, mas existe e muito mais próxima do que muitas vezes imaginamos», ilustrou, ontem, em Fafe, Cláudia Pedra, investigadora e diretora do NSIS, uma organização de estudos estratégicos e internacionais.

A estudiosa e especialista juntou a sua voz às irmãs Carmen Elisa Bandeo, representante da rede "Talitha Kum", e Julieta Dias, representante da Comissão de Apoio às Vítimas do Tráfico de Pessoas para mostrar que existem muitas pessoas vítimas de tráfico de seres humanos.

«Em Portugal existem muitos casos, demasiados casos, muitas vezes escondidos. Portugal é claramente uma plataforma para as redes europeias e internacionais de tráfico, mas o facto de os portugueses estarem desatentos sobre o fenómeno do tráfico faz  com que mais facilmente caiam nas redes», advertiu Cláudia Pedra, reclamando uma estratégia que previna e esclareça convenientemente as pessoas «de como estão tanto em risco».

É que este é «um drama real», «existe entre nós, pode bater-nos à porta ou até entrar porta dentro. Não o podemos ignorar, temos que abrir mesmo muito bem os olhos, sensibilizar e prevenir sempre e muito», acrescentou a irmã Julieta Dias.

Falando na conversa de café "crianças em terra de ninguém", ontem, em Fafe, no âmbito do "Terra Justa – Encontro Internacional de Causas e Valores da Humanidade", Cláudia Pedra, que investiga há 17 anos o fenómeno, advertiu que «os raptores são inteligentes, astutos e usam cada vez mais e melhores estratégias».

«As pessoas têm que saber como são estas estratégias dos traficantes, como angariam às portas das escolas dizendo que estão a recrutar modelos, como fingem e oferecem contratos de trabalho e empregos aliciantes no estrangeiro, como vão aos clubes de futebol buscar as crianças, como chegam às crianças nas redes sociais, como vão às Comissões de Proteção e dizem ser tios e familiares, como pedem namoro», ilustrou a investigadora.

Ainda segundo a autora de estudos e dados estatísticos, «ainda pesa a ideia de que o fenómeno é residual entre nós, quando a realidade é bem diferente e preocupante».

Aliás, «a desatenção só favorece os traficantes», que, segundo dados e estudos internacionais, «são sempre conhecidos das vítimas, porque são o marido, o namorado, o tio, o primo, o amigo de infância».

Ou seja, «30% das vítimas conhecem bem o traficante e confiam nele, além de, em muitos casos, também dependerem dele».

O fenómeno de pessoas traficadas para exploração sexual, laboral, tráfico de órgãos, servidão doméstica, crimes, adoção ilegal é tão poderoso e lucrativo que está acima do tráfico de droga ou a par.

«Ganha-se muito dinheiro com o tráfico e há gente que ganha mesmo muito dinheiro. Como diz o Papa Francisco, a economia que temos no mundo é uma economia que mata e o Deus que existe é o dinheiro. Portanto, faz-se dinheiro vendendo gente, vende-se gente», contabilizou e suportou a irmã Julieta Dias.

Aquele fenómeno é tão forte e poderoso que levou mesmo as congregações religiosas a unirem-se para o combater.

O trabalho em rede e com redes suporta, de resto, toda a ação da "Talitha Kum" para «levantar a dignidade e restaurar a vida» das vítimas do flagelo das redes de tráfico. Um trabalho que leva religiosas a disfarçar-se de prostitutas para resgatar vítimas ou a comprar crianças.

«Um trabalho nem sempre totalmente sucedido porque nem sempre conseguimos resgatar tudo a mulheres que foram despojadas de tudo», ilustrou Carmen Elisa Bandeo, falando do trabalho escravo em Taiwan, acrescentando que três dias de rapto deixam marcas psicológicas para toda a vida.

Três exposições por todas as crianças

No âmbito da terceira edição do evento “Terra Justa – Encontro de Causas e Valores da Humanidade”, o Arquivo Municipal de Fafe acolhe, até 5 de maio, três exposições: “Talitha Kum – Levanta-te”, “IAC – Pela Defesa dos Direitos da Criança” e “UNICEF – Para todas as crianças”.

A exposição “Talitha Kum – Levanta-te” aborda a história e missão da Rede Internacional da Vida Consagrada contra o tráfico de pessoas, com textos e fotografias exemplificativas das atividades prestadas pelo projeto, em defesa da dignidade e do direito à liberdade de todas as crianças, mulheres e homens que sofrem com as consequências do tráfico humano.

A exposição “IAC – Pela Defesa das Crianças”, composta por vários elementos textuais, fotográficos e multimédia, atravessa o longo percurso histórico e pioneiro do instituto em prol da luta pelos Direitos da Criança, abordando momentos essenciais que, desde a criação, fazem da IAC uma instituição de renome.

A exposição “UNICEF – Para todas as crianças” é uma exposição com grande enfoque na missão da UNICEF pelo mundo e no trabalho desenvolvido pelo Comité Português para a UNICEF.

Pretende mostrar e sensibilizar para a realidade das crianças que se encontram pelo mundo e que diariamente necessitam de assistência e de proteção dos seus demais direitos fundamentais.


Autor: Rui de Lemos