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Bonifácio de Andrade, o cientista com raízes minhotas esquecido por Portugal que o Brasil enaltece

Bonifácio de Andrade, o cientista com raízes minhotas esquecido por Portugal que o Brasil enaltece
Fotografia DR

Redação/Lusa

Publicado em 14 de abril de 2024, às 10:54

Vai ser lançada uma biografia sobre o político produzido por Isabel Corrêa da Silva

A investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa Isabel Corrêa da Silva lançará, em maio, uma biografia de José Bonifácio de Andrade, o cientista que Portugal "esqueceu" e o Brasil enaltece como figura da independência.

O avô paterno do "patriarca da independência", José Ribeiro de Andrada, era natural da freguesia de Arco de Baúlhe, Cabeceiras de Basto, e viveu no Brasil.

No ano em que se comemora o bicentenário da primeira Constituição (de 1824) do Brasil, a historiadora e investigadora lembrou, em entrevista à Lusa, a figura "pouco conhecida" dos portugueses, que, ao lado do imperador D. Pedro, protagonizou os acontecimentos que deram origem à independência do Brasil, em 1822, sendo por isso objeto de mais do que uma biografia de autores brasileiros.

O impulso para este trabalho de investigação surgiu precisamente por causa das comemorações do bicentenário da independência do país da América do Sul, celebradas por Brasil e Portugal em 2022.

Foi nessa altura que Isabel Corrêa da Silva percebeu como aquela figura era tão desconhecida em Portugal, “mesmo dentro do mundo académico", apesar de o D'Andrada, como era conhecido nos meios europeus, ter vivido 30 anos deste lado do Atlântico.

Na opinião da autora, foi precisamente pelo facto de Bonifácio de Andrade ter sido "politicamente importante e célebre no seu envolvimento político na independência do Brasil, que os portugueses, de certo modo, esqueceram-no”.

Portanto, “não ficou para a história", de tal modo "que há muito pouca coisa escrita sobre ele", referiu Isabel Corrêa da Silva numa conversa com a Lusa a propósito do lançamento desta biografia, que deverá ser apresentada no início de maio.

Para a historiadora, a biografia que escreveu era "necessária", lembrando que o homem que foi figura central da independência do Brasil "viveu em Portugal a maior parte da sua vida, foi um cientista e depois um funcionário público (...) durante muito tempo, três décadas".

Já no Brasil, Bonifácio D'Andrada "é o patriarca da independência, portanto, ombreia com o imperador Dom Pedro no protagonismo dos eventos que levaram à independência e, depois, à sua consolidação nos momentos imediatamente a seguir", havendo naquele país muita coisa escrita sobre ele, acrescentou a investigadora.

Da biografia que escreveu, a autora destaca como aspeto mais interessante o facto de Bonifácio de Andrade ser “o exemplo do que se pode chamar uma política científica, em que a coroa portuguesa começou a apostar no fim no reinado de Dona Maria I e nos finais do século XVIII".

"Ele foi bolseiro da coroa portuguesa, esteve 10 anos a viajar pela Europa, a trabalhar e a aprender junto dos principais centros da sua área de investigação, que era a mineralogia e a metalurgia. E não foi o único", relatou Isabel Corrêa. Com ele, sabe que foram, pelo menos, mais três colegas.

Isto quer dizer que na transição do século XVIII para o século XIX houve em Portugal "um ímpeto de aposta na ciência muito relevante", concluiu.

Regressado desse périplo de 10 anos pela Europa, Bonifácio de Andrade foi considerado “como uma espécie de estrela em ascensão, cientista reconhecido, que pôs o nome de Portugal nos principais circuitos científicos europeus", frisou a investigadora.

Porém, não demorou muitos anos até a sua experiência ser apagada pelos portugueses. “Rapidamente foi esquecida”, foi "o anti-climax", e o cientista "passa mais de 20 anos em Portugal a tentar singrar como funcionário público e a tentar aplicar aquilo que aprendeu na Europa" sem êxito. "É como se lhe tivessem tirado o tapete", afirmou a historiadora e investigadora.

"A coroa apostou nele, mas depois não lhe deu recursos para aplicar e fazer valer essas coisas", frisou.

Para Isabel Corrêa da Silva, não deixa de ser “interessante" perceber-se que "uma espécie de esquizofrenia, não é de agora". Existe há 200 ou mais anos, o que considerou “uma espécie de incongruência na gestão de uma política científica de que o Andrada é um ótimo exemplo".

Assumindo que não gosta de tirar lições da história e trazê-las para a contemporaneidade, a autora sublinhou, contudo, que "há padrões" que se repetem.

Na época de José Bonifácio, salientou, outros cientistas foram pagos pela coroa portuguesa para fazerem "as chamadas viagens filosóficas, vão ao Brasil recolhem exemplares da natureza, de animais, de vegetais e trazem e vão constituindo coleções riquíssimas tanto da coroa como para a Academia das Ciências de Lisboa".

Contudo, essas coleções, em grande parte, acabaram por ficar "ao abandono, em caixotes, até se destruírem. Algumas foram depois simplesmente levadas pelos franceses, quando foi das invasões francesas, no início do século XIX", recordou.