“Tem havido um endurecimento das políticas migratórias europeias dirigidas aos requerentes de asilo e aos migrantes irregulares e uma das principais razões para isto tem sido o sucesso dos partidos anti-imigração de direita e populistas”, afirmou o diretor do Centro de Políticas de Migração, que fornece informação para os principais debates políticos europeus e globais sobre esta questão, Andrew Geddes.
“Estes partidos, cujas ideias e políticas se tornaram parte da abordagem dominante da política de migração em muitos Estados-membros da União Europeia [UE], apresentam a migração e a procura de asilo como uma ameaça”, acrescentou o responsável, defendendo que a base desta ideia é o racismo.
“Muitos dos migrantes que se enquadram nestas categorias são provenientes de África e do Médio Oriente” e são esses que são habitualmente afastados, explicou o diretor do centro, sedeado em Itália e integrado no Instituto Universitário Europeu, que foi fundado em 1972 pelos seis membros originais da então Comunidade Europeia.
Até porque, ressalvou Andrew Geddes, nem todas as formas de migração estão a ser alvo de políticas restritivas na Europa.
Além de, no ano passado, quase cinco milhões de refugiados ucranianos terem sido bem recebidos na Europa, outro tipo de migrantes continua a entrar sem restrições.
“Os países europeus ainda estão relativamente abertos à migração laboral, à migração familiar e à migração estudantil”, lembrou, referindo que “há uma tensão entre políticas de fecho e de abertura de portas aos migrantes”, como no caso italiano.
“Em Itália, por exemplo, há um Governo de extrema-direita que adotou uma linha dura para as travessias de barco no Mediterrâneo mas, ao mesmo tempo, anunciou planos para recrutar 450.000 trabalhadores de fora da UE até 2025, porque os migrantes são necessários para a economia italiana”, frisou.
Também o presidente do Global Migration Policy Associates, uma associação internacional de especialistas em migrações que produz documentação para apoiar legisladores, governos e organizações internacionais, defende que há ideais de extrema-direita que estão a moldar as políticas públicas.
“Estas expulsões e o comportamento antiestrangeiros são mais do que coincidentes com a ascensão e manutenção do poder político por parte da extrema-direita”, considerou Patrick Maran, em declarações à Lusa.
A isto “juntou-se a ‘popularização’ e a legitimação do discurso e da política nacionalista entre aqueles cujas condições de vida se deterioraram em termos de desemprego, de marginalização social, de falta de habitação, de cuidados de saúde, de serviços sociais, entre outras coisas”, referiu o presidente da associação, sedeada em Genebra.
Para o responsável, há, no entanto, outra razão na base do endurecimento das políticas migratórias: “manter trabalhadores em situações em que não possam reclamar, organizar-se ou ter acesso à justiça garante mão-de-obra barata, dócil e desprotegida – incluindo a nível qualificado”.
Uma situação que assusta Patrick Maran, não só pela questão dos direitos humanos, mas também pelas consequências a prazo.
“No contexto do declínio da força de trabalho, do envelhecimento da população, de enormes evoluções tecnológicas e de mudanças na forma e no local de trabalho, as restrições à imigração ameaçam grande parte do Ocidente industrializado com uma crise real: um suicídio económico lento, mas certo”, alertou.
Por isso, adiantou o especialista, é preciso, antes de mais nada, reforçar a legislação.
“Esta é uma recomendação que já fiz em vários contextos, inclusive a responsáveis do Governo português: é necessário implementar legislação nacional que determine explicitamente a proteção dos migrantes em todos os diferentes aspetos, quer económicos, sociais, culturais e civis”, sublinhou Patrick Maran.
Além disso, defendeu ainda, “a narrativa precisa de mudar significativamente” porque “os migrantes não são ‘ilegais’ e a migração não é uma ‘crise’”.
A adoção de uma nova forma de lidar com os migrantes que entram na Europa, e sobretudo na União Europeia, sem autorização ou documentos, deve ser, também para o investigador do Instituto Alemão para a Segurança e Assuntos Internacionais Raphael Bossong, uma prioridade.
“Sou muito cético em relação a propostas e medidas destinadas a dissuadir as pessoas de virem para a Europa. Não digo que não tenham nenhum efeito, mas levam sobretudo ao deslocamento das pessoas para outras rotas”, observou o perito em política migratória na Europa.
“Não acredito no argumento de que temos mais segurança com as cooperações entre a Grécia e a Turquia, ou a Itália com a Albânia. Enquanto a situação geral de segurança na vizinhança europeia e fora dela não melhorar substancialmente, não creio que [estas medidas] sejam particularmente eficazes”, defendeu.
Para o investigador do instituto alemão - que aconselha o parlamento e Governo alemães, bem como várias organizações internacionais -, repensar as políticas em relação à migração é urgente, até porque o número de entradas não vai diminuir. Pelo contrário.
“Se o conflito em Gaza se alastrar, se houver uma escalada para o Líbano ou para o Irão, isso vai realmente piorar a situação”, admitiu Raphael Bossong.
Mas, no imediato, as suas preocupações dirigem-se para outras possibilidades.
“Por exemplo, na semana passada, o Paquistão confirmou a sua decisão de que os afegãos que foram para o Paquistão em grande número desde a tomada do poder do seu país pelos talibãs, têm de deixar o país, a menos que tenham documentos válidos. Alguns deles regressarão ao Afeganistão, mas há certamente também a possibilidade de quase um milhão ficarem novamente deslocados”, referiu, alertando ainda para outros conflitos que se mantêm, nomeadamente em África, e que podem provocar uma fuga de mais refugiados para a Europa.
“E há muito pouca vontade na Europa de ter novos programas de reinstalação”, adiantou.
“É relativamente fácil emitir uma ordem de expulsão, mas é muito mais difícil aplicá-la porque, por exemplo, os países de origem podem não aceitar as pessoas de volta”, lembrou ainda Andrew Geddes.
“A ideia agora é utilizar países não pertencentes à UE como parte dos sistemas de controlo”, como propôs o Reino Unido em relação ao Ruanda e a Itália em relação à Albânia.
Mas “a grande questão é se isso pode interromper o fluxo. Em termos de números [de pessoas] que chegam à UE, poderá fazê-lo, mas também poderá significar que os migrantes serão basicamente armazenados em Estados não-membros da UE, incapazes ou não dispostos a regressar aos seus países de origem e impossibilitados de se deslocarem para outro país”, alertou.