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Guerra na Ucrânia reacende debate na Europa sobre serviço militar obrigatório

Guerra na Ucrânia reacende debate na Europa sobre serviço militar obrigatório
Fotografia DR

Agência Lusa

Agência noticiosa

Publicado em 04 de abril de 2024, às 10:24

Muitos países suspenderam nas últimas duas décadas, inclusive Portugal

A agressão militar russa à Ucrânia e o reconhecimento de uma dependência excessiva dos Estados Unidos reacendeu o debate sobre a reintrodução do serviço militar obrigatório em muitos países europeus que o suspenderam nas últimas duas décadas, como Portugal.

Depois do fim da «guerra fria», a maior parte dos países membros da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e da União Europeia (UE) foram pondo fim ao serviço militar obrigatório, na sua maioria a partir do ano de 2000, mas no contexto geopolítico atual, com a guerra de volta ao continente europeu, a questão volta a estar na ordem do dia, e mais países poderão seguir o exemplo da Letónia, que voltou a adotar o regime a 01 de janeiro passado.

Atualmente, entre os 32 membros da Aliança Atlântica, apenas nove (sete dos quais também Estados-membros da UE) têm serviço militar obrigatório: Dinamarca, Estónia, Finlândia, Grécia, Letónia, Lituânia, Noruega, Suécia e Turquia.

Entre os quatro dos 27 Estados-membros da UE que não pertencem à NATO, Áustria e Chipre também têm serviço militar obrigatório, enquanto os outros dois, Irlanda e Malta, são precisamente os únicos Estados-membros do bloco comunitário que nunca o tiveram.

Num clima que recentemente o primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, classificou “de pré-guerra”, e também face à perspetiva de um possível regresso de Donald Trump à Casa Branca e o que tal pode significar em termos de desinvestimento dos Estados Unidos na NATO, são cada vez mais as vozes em diversos países ocidentais a defender a necessidade de reintroduzir o serviço militar obrigatório, para suprimir as óbvias carências de pessoas nas Forças Armadas.

À cabeça dos países que mais defendem o serviço militar obrigatório encontram-se os três países bálticos – Estónia, Letónia e Lituânia -, aqueles que mais se sentem ameaçados por Moscovo e uma possível confrontação militar com a Rússia, e que têm exortam os membros da Aliança a seguirem o seu exemplo, dado em todos eles o alistamento obrigatório estar em vigor, depois de a Letónia o ter reintroduzido no primeiro dia do corrente ano.

Se nalguns casos o debate já começou há algum tempo e a ideia parece para já descartada – como é o caso da Polónia ou de Itália -, noutros é um tema que passou a estar na ordem do dia, como é o caso da Alemanha, onde as opiniões se dividem: a União Democrata-Cristã (CDU), principal partido da oposição, manifestou interesse na obrigatoriedade do serviço militar, enquanto a coligação governamental, formada pelo Partido Social Democrata (SPD), os Verdes e os liberais do FDP, tem sido mais cautelosa, com a exceção do ministro da Defesa. Boris Pistorius, que já classificou a suspensão do alistamento militar como um “erro” e quer debater a melhor forma de o repor.

Nos Países Baixos, onde o serviço militar obrigatório foi suprimido em 1997, também o ministério da Defesa tem estado a avaliar a possibilidade de o reintroduzir, enquanto a Dinamarca anunciou no mês passado que o recrutamento obrigatório, que já era aplicado aos homens a partir dos 18 anos, abrangerá também as mulheres a partir de 2026.

A Dinamarca passa a ser o terceiro país da Europa a introduzir o recrutamento feminino obrigatório - depois da Noruega (em 2015) e da Suécia (em 2017) – alterando o atual sistema em que as mulheres apenas podiam ser voluntárias para o serviço militar.

A Noruega, país que faz parte da NATO mas não da UE e que foi o primeiro país europeu a introduzir o serviço militar obrigatório para ambos os sexos (2015), anunciou na terça-feira que vai aumentar o número de recrutamentos, pois, à semelhança do que sucede em muitos países com serviço obrigatório, nem todos aqueles em idade de alistamento e considerados aptos são chamados.

Com o tema a conhecer um crescente debate na generalidade dos países europeus, ainda que em muitos a eventual reintrodução do serviço militar obrigatório não se afigure viável ou sequer desejada a curto prazo, o assunto também volta a ser tema de discussão em Portugal, 20 anos depois do seu fim.

Na passada sexta-feira, num artigo no Expresso, o Chefe do Estado-Maior da Armada, Henrique Gouveia e Melo, afirmou que pode vir a ser necessário “reequacionar o serviço militar obrigatório, ou outra variante mais adequada”, de forma a “equilibrar o rácio despesa/resultados” e “gerar uma maior disponibilidade da população para a Defesa”.

Esta posição foi também partilhada pelo Chefe do Estado-Maior do Exército, Eduardo Ferrão, que, em declarações ao Expresso, defendeu que “uma reintrodução do serviço militar obrigatório justifica-se ser estudada e avaliada sob várias perspetivas”.

Entretanto, numa resposta à Lusa, o Estado-Maior-General das Forças Armadas remeteu a decisão sobre um eventual regresso do serviço militar obrigatório para o Governo, mas salientou que esta hipótese não irá “solucionar, pontualmente, desafios de gestão de efetivos”.

O serviço militar obrigatório terminou em 2004. O seu fim foi aprovado em 1999, por um executivo liderado pelo socialista António Guterres, ficando estabelecido um período de transição de quatro anos.

A passagem para a profissionalização ficou concluída em setembro de 2004, dois meses antes da data prevista, 19 de novembro, com o centrista Paulo Portas como ministro da Defesa.