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OS DIAS DA SEMANA Aqueles a quem prejudica o fim do serviço de camionetas Braga-Porto

 

 

 

 

 

São capazes de se colocar no lugar de outra pessoa? O homem fez recentemente 81 anos. Teve um cancro há pouco mais de três décadas. Ficou curado. Recentemente foi ao Porto, ao Instituto Português de Oncologia (IPO), fazer uns exames por causa de algo que um médico, sobrinho de um amigo, antigo colega de escola, lhe detectou. Ele não percebeu exactamente a natureza do problema, mas terá de voltar ao Porto mais algumas vezes, não sabe quantas. Da próxima vez, explicar-lhe-ão tudo mais pormenorizadamente. Como tem de ir sozinho, não saberá, talvez, reproduzir a conversa a haver, mas, conformado, cumprirá o que estabelecerem.

A camioneta que o transporta de manhã cedo de Braga até à porta do IPO parece, em certos dias, nos lugares da frente, a sala de espera de um consultório médico. Às vezes, as pessoas vão circunspectas e caladas, mas uma palavra apenas, um simples desabafo, é suficiente para que todos comecem a falar do que os aflige. Os que não viajam por razões de saúde, por regra, seguem ainda adormecidos, mal escutando as palavras de conforto que uns dirigem aos outros, como ladainhas que se vão adequando a cada circunstância. As conversas não variam muito. Há os que incitam a lutar e os que recomendam resignação. Fala-se de médicos, de tratamentos, de expectativas.

O homem contou que tinha 81 anos, por causa de ter sido no dia de aniversário que descobriu que deveria vir ao Porto, ao IPO. Partilhou o que sentira quando, pela primeira vez, lhe disseram que tinha um cancro e revelou também, aliás com minúcia, por que razões foi encaminhado para o Porto. O interlocutor principal ia ao Hospital de S. João e também tinha abundante informação clínica para partilhar. Para quem viaja saudável, as conversas sobre doenças graves não animam o dia, mas permitem um involuntário sentimento de culpada gratidão.

Ao ler a notícia do jornalista Luís Moreira sobre o encerramento da linha de camionetas que servia os que viajavam até ao IPO e ao Hospital de S. João [1], quem tinha escutado a conversa do homem de 81 anos foi obrigado a imaginar o incómodo que agora se acrescenta a todos os que não têm facilidade em se deslocar a não ser naquele transporte colectivo.

A notícia diz que a decisão, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro, foi tomada pela Área Metropolitana do Porto. A secretária-executiva desta entidade diz que o Grande Porto tem uma nova rede de transportes colectivos que não inclui uma “linha equivalente com ligação entre Braga e Porto, pelo que esta deixará de ser assegurada”. Citada pelo Jornal de Notícias, disse ainda que “a manutenção da linha compete à Comunidade Intermunicipal do Cávado ou à do Ave”, garantindo “que desde 2019 a rede da Área Metropolitana do Porto não contempla essa ligação, “até porque ela serve, maioritariamente, os cidadãos da zona de Braga ou do Vale do Ave: ‘não há acordo nenhum nesse sentido. É uma licença provisória que agora caduca com a entrada definitiva da nossa rede’”. O presidente da Comunidade Intermunicipal do Cávado cumpriu a formalidade de lamentar a situação e pedir que o serviço continue a ser prestado.

A quem, tão a contragosto, se via forçado a usar as camionetas de Braga até ao IPO ou ao Hospital de S. João, ou até ao local de estudo ou de trabalho, não importa saber qual a entidade – qual a administradora de condomínio fechado – que tem razão, se alguma, porventura, a tiver. O que interessa é que ambas foram incompetentes para garantir que – numa altura, ainda por cima, em que ninguém se cala com a conversa da melhoria da mobilidade urbana e interurbana – haja transportes públicos para quem precisa, como é o caso, segundo o Jornal de Notícias, dos que adquirem, mensalmente, 1400 bilhetes e dos 150 que viajam com passes; como é o caso, anteontem identificado por Luís Moreira [2], de uma investigadora no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S), da Universidade do Porto, que, sem este transporte, vai ter de abdicar do emprego porque lhe é impossível conciliar o trabalho e a vida familiar. E como é ainda o caso do senhor de 81 anos, a quem as preocupações com a saúde já deveriam bastar.

São capazes de se colocar no lugar de outra pessoa?

 

 

 

[1] “Entrada em funcionamento da Unir acaba com ligação Braga-Porto”. Jornal de Notícias, 30 de Novembro de 2023

[2] “‘Vou ter de me desempregar’, diz utente da linha de autocarro Porto-Braga fechada pela Área Metropolitana do Porto”. Jornal de Notícias, 1 de Dezembro de 2023

Eduardo Jorge Madureira Lopes

Eduardo Jorge Madureira Lopes

3 dezembro 2023