twitter

D. Jorge Ortiga cumpre 30 anos como bispo «contente mas insatisfeito»

D. Jorge Ortiga cumpre 30 anos  como bispo «contente mas insatisfeito»
Fotografia

Publicado em 03 de janeiro de 2018, às 14:58

Há quase duas décadas como máximo responsável pela Arquidiocese de Braga e a menos de um ano e meio de completar 75 anos, o prelado admite viver o seu episcopado com alegria, mas sempre com os olhos no horizonte.

DM: Nascido em março de 1944, filho de José Joaquim da Costa Ortiga e de Lucinda da Costa Ferreira, acabou por ser ordenado bispo em 3 de janeiro de 1988, há 30 anos. Ao fim deste tempo e depois de tudo o que já passou, sente-se, como bispo, uma pessoa importante? DJO: Nunca entendia a minha vida, primeiro como padre e mais tarde como bispo, como qualquer coisa que me dê importância. Para mim, desde o dia em que me ordenei padre e um pouco mais tarde, quando dei o meu sim, aceitando a minha nomeação para bispo auxiliar de Braga, foi sempre numa linha de serviço e nunca de prestígio, de autoridade ou de importância. Na verdade, quem me conhece sabe que eu gosto de me sentir muito próximo das pessoas, com uma vida que procuro pautar por critérios de muita simplicidade e fundamentada no trabalho. Essa referência aos meus pais leva-me a apontar que foram duas pessoas que, entre outras qualidades, foram sempre pessoas de trabalho. Trabalho rigoroso, trabalho por vezes difícil, mas trabalho com objetivos, com serenidade, para poder proporcionar o melhor aos filhos. Esta dimensão de trabalho é o que me preocupa. Não sei se trabalho demais... Há quem diga que sim. Mas tenho gastado todo o meu tempo ao serviço de Deus e em Deus na Igreja e, consequentemente, do próximo, de todos sem fazer aceção de pessoas mas numa predileção pelos mais carenciados e desfavorecidos. © Ana Marques Pinheiro DM: A minha pergunta tinha algo de provocatório e que vou acentuar: Hoje, como bispo, sente-se importante para muitas pessoas? DJO: É muito natural que algumas pessoas considerem a missão do Arcebispo de Braga uma missão importante. Sem dúvida nenhuma que, num contexto eclesial, ser-se Arcebispo de Braga é algo importante. Não o ignoro, tenho a consciência disso. Por isso, ser-se Arcebispo de Braga é uma grande responsabilidade, mas isso não quer dizer que eu me sinta importante. Creio que o papel do Arcebispo de Braga, no contexto local e nacional, é sempre algo que, naturalmente, terei que considerar importante. Para mim, este é apenas um cargo que ocupo, é um desafio para poder viver melhor o meu sacerdócio e colocar-me ao serviço daquilo que a Igreja me vai propondo. DM: Hoje, se não tivesse sido ordenado bispo, o que vislumbra que pudesse estar a fazer como padre? DJO: Não sei. A minha vida vai-se pautando por um procurar viver cada momento que passa, com intensidade e com dedicação. Procuro intuir o que Deus quer para mim, como Sua vontade, neste momento concreto. Não sei o que seria a minha vida. Mas um momento que recordo com muita saudade mas que me enriqueceu imenso, para além daquilo que foi o currículo académico, e de onde pude extrair muito para a minha vida pessoal e da Igreja, foram os 14 anos que passei nos Congregados. Aí senti a presença de uma comunidade viva, de pessoas responsáveis. Evidentemente que não ficaria lá a vida toda, mas se lá tivesse ficado, estou convencido que seria um continuar daqueles momentos de alegria e felicidade que o meu serviço sacerdotal me proporcionou, naquela época. Se seria melhor ou pior, isso está no segredo de Deus. DM: Qual foi a pessoa que mais o influenciou na sua missão como bispo? DJO: É muito difícil determinar quem. Houve pessoas que me marcaram, efetivamente, o meu serviço episcopal. Acho que somos fruto das nossas circunstâncias que vivemos. Mas, toda a gente sabe que tenho procurado pautar o meu ministério episcopal pela orientação da unidade. O facto de ter escolhido, simbolicamente, a romã para as armas episcopais, traduz um procurar viver para construir a unidade com todos, a partir dos sacerdotes mas sem excluir, absolutamente, ninguém. A preocupação de viver, assim, desta maneira – na procura permanente de realizar e de sacrificar-me pela unidade, por vezes com algum custo – fez com que me orientasse muito para os papas. Aqueles papas que tive oportunidade de, quase dizer, poder conviver com eles. Não esqueço, desde o princípio o João Paulo II, com tudo o que ele era e o que significava; particularmente, no modo como ele viveu o seu ministério. O homem que, como ele dizia, “veio de longe”, mas que esteve muito próximo das pessoas e das situações concretas da Igreja e dos problemas e que procurou, efetivamente, dar um rosto novo à Igreja. O mesmo se concretizou, depois, com Bento XVI e, atualmente, com o Papa Francisco. Não posso, contudo deixar de referir – para além de outras vivências espirituais que tenho no meu íntimo e que me têm acompanhado sempre e me têm ajudado no meu ministério – que para o meu serviço episcopal, o papa João Paulo II ficou como referência maior. Nesta referência a uma pessoa há uma certa paixão a duas grandes temáticas: a predileção que ele tinha pelas famílias e pelos jovens. Se percorrermos rapidamente o seu ministério, verificamos que ele teve um cuidado muito grande com as famílias e com os jovens.  
Para o meu serviço episcopal, o papa João Paulo II ficou como referência maior. Nesta referência a uma pessoa há uma certa paixão a duas grandes temáticas:a predileção que ele tinha pelas famílias e pelos jovens.
  DM: Com as famílias, recorda-se a mensagem que ele deixou, precisamente em Braga, quando visitou o Sameiro em 1982... DJO: Recordo que, nesse momento, eu era vigário episcopal e fazia parte da equipa coordenadora da visita do Santo Padre e tudo foi, no que dependeu de mim, organizado em função das famílias pois nós já sabíamos que o papa iria abordar essa temática em Braga. E recordo-o como o papa dos jovens, tendo dado início às Jornadas Mundiais da Juventude que apoio, estimulou e que hoje continuam a pautar a preocupação da Igreja pelos jovens. Penso para mim, para além dos sacerdotes que coloco sempre em primeiro lugar – porque um bispo é bispo de um colégio sacerdotal e tudo o que realiza tem de fazer de maneira sinodal, em matéria de auscultação e de responsabilidade –, as orientações que tenho sempre permanentes comigo mesmo é a família e os jovens. Depois, em dimensões iguais, surge a evangelização ou catequese, a celebração da fé, a vivência da caridade, bem como é o construir comunidade. DM: É um bispo pós-Vaticano II. Considera que há ainda muito a fazer-se para realizar este Concílio na Igreja? DJO: Não me considero um bispo pós-Vaticano II, na medida em que me parece que o Concílio Vaticano II ainda não tem um “pós”. Por isso, está em tempo. Gostaria de ser visto como um bispo do Concílio Vaticano II, porque me marcou muito. Este Concílio terminou em 1965, estudava eu Teologia. Por isso, no meu curso teológico, para além do que eram os compêndios da época, procurava acompanhar, lendo – não esqueço que fazia parte da equipa da revista “Cenáculo” que tinha uma permuta com o jornal francês “La Croix” e que fazia uma cobertura exaustiva das intervenções dos bispos no Concílio – textos e artigos sobre o decorrer do Concílio. E vejo o Vaticano II como um programa do dever ser. E se muito já foi feito, tenho de reconhecer que muito há ainda por concretizar. Quando muitos falam na realização de um novo concílio eu respondo que o que falta é pôr este em prática, pois foi um acontecimento do Espírito Santo para uma época de mudança que, para a Igreja, deveria ser uma época de renovação. © Ana Marques Pinheiro DM: É neste contexto de renovação, que vê inserir-se a exortação apostólica “Amoris Laetitia”, sobre o amor na família? DJO: Esse é mais um documento da Igreja que surge num momento histórico muito particular e que acontece, como tudo na Igreja, numa lógica de continuidade. Por vezes, nós gostamos mais das ruturas. Às vezes elas acontecem, mas a história humana – civil e religiosa – é um caminhar etapa após etapa. Como nunca, a família está na ordem do dia e a “Amoris Laetitia” é um documento onde a Igreja se compromete neste trabalho que deve fazer em prol da família. Já referi a importância que os últimos papas têm prestado à família e também o Papa Francisco quer cuidar da família propondo respostas que a Igreja deve dar. A “Amoris Laetitia” é um grande desafio para que a Igreja trabalhe mais na preparação para matrimónio, se comprometa mais no acompanhamento dos casais e lança respostas para desafios que o mundo de hoje coloca como dificuldades com que a família se debate. A “Amoris Laetitia” deveria ser posta em prática na sua integridade e não apenas numa perspetiva que alguns poderão considerar polémica. DM: Logo que foi ordenado bispo, assumindo o cargo de auxiliar de Braga, esteve à frente do sínodo diocesano. Hoje, olha para trás e voltaria a fazer como fez? DJO: O ritmo da História nunca é o nosso ritmo. Há quem diga que eu nunca estou contente. Que nunca estou satisfeito. Nisto, estou-me a referir diretamente aos sacerdotes. E eu respondo com o que Camões diz em relação ao amor: “contentamento descontente”. Eu gosto de dizer a mim mesmo: “contente mas insatisfeito”. Contente pelas realidades que foram atingidas e pelos resultados que foram alcançados mas, insatisfeito, por reconhecer que estamos sempre a caminho. No que se refere ao Sínodo, na altura era apenas bispo auxiliar e a ideia de o lançar pertenceu ao D. Eurico, embora eu estivesse por trás a motivar e a assumir o secretariado-geral. Ainda hoje, as conclusões, que foram votadas, conservam uma atualidade muitíssimo grande. Pessoalmente, quando tenho de falar sobre um determinado assunto, recorro muitas vezes àquilo que foi aprovado e votado por sacerdotes, religiosos e leigos, nessa caminhada sinodal de três anos. E não esqueço a experiência maravilhosa que foram os cerca de 1500 grupos sinodais que inspiram o que se pretende como dinâmica dos “grupos semeadores da esperança” propostos no mais recente plano pastoral.  
Cada dia, cada hora, procurarei vivê-la como se fosse a última da minha vida, procurando colocar sempre muito entusiasmo, muita dedicação e não me deixar prender por questões acidentais.
  DM: Hoje olha para a Arquidiocese e vê-a à sua imagem? Sente-a na mão como um pastor sente o seu rebanho? DJO: É muito difícil para mim, quase impossível. De facto, sinto a comunhão das 551 comunidades e nessas, com pequeninas exceções, também a comunhão com os sacerdotes. Sinto comunhão com todos os movimentos, uns mais próximos do que outros. Depois, com as diversas instituições, sejam elas de índole religiosa como as confrarias, associações de fiéis – que são tão importantes na Arquidiocese de Braga – ou mais na vertente social como são os Centros Sociais Paroquiais e as nossas Misericórdias. Sinto, efetivamente, que esta comunhão existe mas que me gera uma maior responsabilidade para que ela se torne mais evidente, explícita e clara. É o tal contente mas insatisfeito. Lançar, permanentemente desafios para podermos caminhar e termos objetivos muito concretos. Não quero fazer um balanço aprofundado. A diocese vai caminhando com os seus problemas e dificuldades – não esqueçamos toda esta diversidade que existe no nosso território – na graça de Deus procurando chegar um pouco mais longe. Passados que estão 30 anos de bispo e quase 18 de arcebispo, apesar de algum cansaço natural que vai sentindo, há esta vontade e disponibilidade de continuar com o mesmo encanto e paixão dos primeiros tempos. Há muito ainda a fazer, numa corresponsabilidade dos sacerdotes, dos nossos religiosos e religiosas e dos leigos, que considero mais do que meros colaboradores. Há ainda caminhos não andados que esperam por alguém.   © Ana Marques Pinheiro DM: Aproximam-se os 75 anos de idade e com eles a obrigação canónica de apresentar a renúncia. É algo que o assusta ou que o estimula? DJO: Efetivamente, o Código do Direito Canónico prevê esse facto. Assim farei e a resposta virá assim que o Santo Padre o entender e quiser. Gostaria de dizer que não me preocupa absolutamente nada essa circunstância. E, se falta um ano e dois meses para esse prazo, para mim não conta absolutamente nada. Cada dia, cada hora, procurarei vivê-la como se fosse a última da minha vida, procurando colocar sempre muito entusiasmo, muita dedicação e não me deixar prender por questões acidentais. A hora chegará, quando chegar e como Deus quer. O que devo fazer é entregar-me ao Reino de Deus, muito naturalmente, vivendo com o mesmo ardor e serenidade de alguém que sabe que o trabalho a realizar é para Deus e a bem da sociedade. Não me preocupa a idade nem vou estar a contar sempre os dias que faltam. Não vou perder tempo com contas mas vou continuar a viver como ministro – que quer dizer servo – deste povo que eu amo, de forma universal, sem aceção de pessoas, sejam católicas ou não, tenham ou não fé, atendendo aos problemas da sociedade. Que Deus me ajude a ser fiel até ao último momento.  
Autor: Álvaro Magalhães e Ana Marques Pinheiro