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Cinco anos de Laudato Si’

Uma Terra somente. A chamada de atenção para a circunstância de apenas haver uma Terra encontra-se no título de um famoso relatório apresentado no início dos anos setenta do século XX[1]. O documento para fundamentar os trabalhos da primeira Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, que se realizou em Estocolmo, na Suécia, em Junho de 1972, foi elaborado por Barbara Ward, economista inglesa, e René Dubos, microbiologista francês, com a ajuda de especialistas em múltiplas áreas – antropologia, arquitectura, biologia, botânica, economia, física, geografia, genética, imunologia, nutrição, oceanografia, parasitologia e sociologia, por exemplo – de mais de cinquenta países. O relatório sobre “a preservação de um pequeno planeta”, compreensivelmente, desactualizou-se em alguns aspectos, mas são abundantes as considerações que subsistem com surpreendente pertinência. O apelo formulado nas derradeiras páginas é, ainda hoje, particularmente oportuno. O que então se pedia – e vale a pena reiterar o pedido – é que houvesse uma fidelidade à Terra. Sem ela, uma política em favor do planeta pareceria “estranha, visionária e utópica”. Torna-se, pois, imprescindível “um sentido de comunidade e compromisso planetários”. Os cidadãos, dizia o documento, podem ampliar a escala da lealdade, podem passar da família ao clã, do clã à nação e da nação à federação, sem que isso implique um apagamento dos primeiros amores. Uma nova dilatação tornava-se então – tal como agora – imperiosa: é necessário “atingir a total e definitiva lealdade para com o nosso único, formoso e vulnerável planeta Terra”. Os avisos quanto à insustentabilidade ecológica do modelo de desenvolvimento das sociedades industrializadas e quanto às terríveis desigualdades planetárias que ele engendrava vêm de antes (o livro Primavera Silenciosa[2], de Rachel Carson, cientista americana, publicado em 1962, foi da maior relevância para a criação de uma consciência ecológica), mas nos anos setenta do século XX multiplicaram-se e, desde então, foram-se tornando cada vez mais insistentes. O cuidado com a Terra não é uma preocupação contemporânea. “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras”, dizia S. Francisco de Assis no século XIII[3]. Comungando deste sentimento, o Papa Francisco apresentou, há cumprem-se hoje cinco anos, a amplamente saudada Carta Encíclica Laudato si’: Sobre o cuidado da casa comum[4]. O que nela o Papa encoraja é uma “conversão ecológica”, ou seja, um novo estilo de vida, “capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo consumo”. Torna-se “importante adoptar um antigo ensinamento, presente em distintas tradições religiosas e também na Bíblia. Trata-se da convicção de que ‘quanto menos, tanto mais’”, escreve Francisco. É que “a acumulação constante de possibilidades para consumir distrai o coração e impede de dar o devido apreço a cada coisa e a cada momento”. A alternativa proposta pela espiritualidade cristã, escreve o Papa Francisco, é “um crescimento na sobriedade e uma capacidade de se alegrar com pouco. É um regresso à simplicidade que nos permite parar a saborear as pequenas coisas, agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos nem nos entristecermos por aquilo que não possuimos”. A proposta do Papa é, evidentemente, benéfica para todos: “A sobriedade, vivida livre e conscientemente, é libertadora”. Como Francisco explica, “não se trata de menos vida, nem vida de baixa intensidade; é precisamente o contrário”. Realmente, “as pessoas que saboreiam mais e vivem melhor cada momento são aquelas que deixam de debicar aqui e ali, sempre à procura do que não têm, e experimentam o que significa dar apreço a cada pessoa e a cada coisa, aprendem a familiarizar-se com as coisas mais simples e sabem alegrar-se com elas”. Também o período de crise de saúde pública que estamos a viver veio ajudar a compreender melhor algo que é decisivo: “a felicidade exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem, permanecendo assim disponíveis para as múltiplas possibilidades que a vida oferece”. A proposta do Papa Francisco, que ganhou um novo fulgor, é essencial para salvar esta “nossa irmã, a mãe terra”. Não lhe podemos faltar com a nossa lealdade. [1] São Paulo: Editora Edgard Blücher, Edições Melhoramentos, Editora da Universidade de São Paulo, 1973 [2] Lisboa: Pórtico, 1966 [3] https://www.capuchinhos.org/franciscanismo/sao-francisco-de-assis/fontes-franciscanas/cantico-das-criaturas [4] Lisboa: Paulus, 2015
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
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25 maio 2020