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João Penha morreu há cem anos

No dia 3 de fevereiro de 1919, faz hoje 100 anos, morreu em Braga, na sua casa no Campo da Vinha, então Campo D. Luís I, o poeta bracarense João Penha. Estava prestes a completar 80 anos de idade. As cerimónias fúnebres, que a Câmara Municipal custeou, ocorreram, segundo os jornais, na “tarde triste e chuvosa” do dia seguinte.

Um busto e o nome de um largo em Braga e uma placa no início de uma das mais movimentadas ruas da Póvoa de Varzim, a assinalar o local onde passava férias, permanecem como duas evocações públicas da sua memória. O livroEm Braga me plantei para sempre. João Penha: o homem e o poeta, editado pela Fundação Bracara Augusta, ainda disponível nas livrarias, dá a conhecer o essencial da sua vida e obra.

A obra literária de João d’Oliveira Penha Fortuna, nascido no dia 29 de Abril de 1839, essa, terá de ser procurada nos alfarrabistas. Echos do Passado, seguido de Colombina, editado em 1914 pela Companhia Portuguesa Editora, e O canto do cysne, publicado em 1923 pelas Livrarias Aillaud e Bertrand, por exemplo, permaneceram durante longo tempo num expositor colocado à entrada de uma conhecida livraria alfarrabista portuense. Não estavam nos lotes dos que eram quase oferecidos, mas os preços eram bastante módicos.

O custo reduzido de um livro antigo, se nas mãos de um vendedor experiente, é sinal de que o autor a escassos leitores poderá interessar. Para evitar que outros isso pudessem pensar, acabei por comprar esses dois títulos, que já possuía. Forçoso é, pois, que quem por ali agora passar conclua que afinal ainda há quem pegue em João Penha. Com a sua poesia e a sua prosa, veio outro livro repetido: Introdução ao estudo de João Penha, de Maria Amália Ortiz da Fonseca, que a Portugália lançou em 1963.

A posteridade literária é incerta e o poeta bracarense sabia-o. “Raros são os escritores, cujas obras lhes sobrevivem, e raríssimos os que podem contar com uma posteridade, não de séculos, mas de alguns meses apenas”, escreveu ele numa carta a Albino Forjaz de Sampaio, que lhe prefaciouO canto do cisne. Mas João Penha não foi um autor irrelevante.

Para se perceber a importância que teve na história da literatura portuguesa bastará atentar nos abundantes testemunhos de poetas, romancistas e ensaístas que o conheceram ou que o leram.

Num livro que um crítico disse ser “mais sórdido que as frigideiras de Braga”, Camilo Castelo Branco escreveu que João Penha “tem sonetos encantadores”, tendo dado “ao soneto um cachetnacional, que ele nunca tivera desde a languidez petrarquista de Camões até ao rufo de zabumba e caixa dos sonetos bocagianos”.

Diz-se que o poeta bracarense fascinou de tal modo o jovem Eça de Queirós que este, imitando-o, passou a usar também um monóculo. Guerra Junqueiro, Jaime Cortesão e Bernardino Machado foram alguns dos que se empenharam em que lhe fosse concedida uma pensão vitalícia para ajudar a suprir as graves dificuldades económicas que João Penha, também advogado, sentiu no final da vida.

Que a poesia de Penha é pouco lida, notara-o, há mais de cinquenta anos, Maria Amália Ortiz da Fonseca, referindo o “poeta que o tempo parece ter levado, tão pouco dele se fala”, e repetira-o, há quase trinta, Maria Estela Guedes, que o incluiu na antologia À sombra de Orfeu, da Colecção Textos Esquecidos, que a Guimarães Editores publicou em 1990.

A obra evoca um conjunto de poetas, cultores do soneto, publicados no primeiro quartel do século XX, cujo mérito foi empurrado para o esquecimento pelos nomes cimeiros da revista Orpheu(1915), como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e José de Almada Negreiros. A sombra do olvido continuou a cobri-los, a uns muito mais do que a outros.

João Penha, que ocupa as páginas iniciais da colectânea, foi o “mentor da geração a que pertencem Guerra Junqueiro, Gonçalves Crespo, Guilherme de Azevedo e Antero de Quental”, o que não é dizer pouco. Maria Estela Guedes recorda ainda que, em A Folha, dirigida por João Penha entre 1868 e 1873, colaboraram os grandes poetas da época.

Os sete sonetos selecionados são extraídos de O canto do cisnee “neles se evidencia o espírito irónico e cáustico do autor, a que não é alheia a lucidez com que observa o seu canto do cisne”. “O fim” era assunto que já o ocupava em Ecos do Passado: “Já não tenho inspirações: / Debalde na tinta banho / A minha nervosa pluma! / Era pastor de ilusões, / E de todo o meu rebanho / Já não me resta nenhuma!”.


Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

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3 fevereiro 2019