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Direitos Humanos no século XXI(1)

1. Completam-se 70 anos em que, no dia 10 de Dezembro de 1948, na cidade de Paris, foi adoptada a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, sob a égide das Nações Unidas, precisamente três anos após o maior conflito bélico da humanidade; neste, usaram-se pela primeira vez as armas mais devastadoras (por ex., a bomba atómica), perpetraram-se genocídios ignominiosos, abriram-se campos de concentração onde, em larga escala, se administrava a morte.

Se hoje os efeitos dessa guerra ainda se fazem sentir, então era urgente pensar em formas de garantir a dignidade humana:era mister adoptar um compromisso, seguido por todos os povos e nações, para salvaguarda da integridade do ser humano;enfim, proteger universalmente apessoa humana.

Se as primeiras Declarações de direitos humanos já remontam ao século XVIII, na sequência das revoluções americana e francesa, a defesa dos direitos humanos tem sido o principal desafio nos séculos XX e XXI, e, mais ainda, quando se atravessam tempos muito sombrios, com retrocessos civilizacionais no campo dos direitos e a ampliação da exclusão generalizada.

2. Além da “Declaração Universal dos Direitos Humanos” (1948), são também “fontes dos direitos humanos” a “Carta das Nações Unidas” (1945), os dois Pactos de 1966 – o dos “Direitos Civis e Políticos” e o dos “Direitos Económicos, Sociais e Culturais” –, as Convenções sobre o genocídio (1948), a discriminação racial (1965), a discriminação das mulheres (1979), a tortura (1984), as crianças (1989); aliás, este último é o pacto jurídico internacional mais “ratificado” até hoje, subscrito por 191 Estados. Todos estes pactossão esclarecedores, condenando os poderes políticos de seus abusos e estimulando os povos nas suas lutas.

Já no âmbito continental ou subcontinental, devem mencionar-se a “Convenção Europeia para os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais” (1950) e a homóloga “Convenção Interamericana” (1969), a “Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos” (1981) e, por iniciativa da Liga dos Estados Árabes, desde 1994, está disponível para assinatura a “Carta Árabe dos Direitos Humanos”. Ainda no quadro da Europa, temos a “Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia” (UE) – o documento mais avançado para o século XXI (Dezembro 2000) –, tornada juridicamente vinculativa em todos os países da UE (excepto na Polóniae no Reino Unido) com a sua inclusão no Tratado de Lisboa (Dezembro de 2009) e, desde então, constituindo direito primário da UE e referência para o direito derivado da UE e das disposições nacionais.

Todos estes importantes documentos oficiais enunciam princípios universais e listam direitos fundamentais, prevendo também as instituições e os procedimentos de garantia, embora apenas na Europa e na América haja verdadeiras jurisdições sobre o assunto – o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (com sede em Estrasburgo) e a Corte Interamericana dos Direitos Humanos (com sede em San José da Costa Rica, sem os EUA).

3. As Declaraçõesde direitos humanos são hoje a principal voz e instrumento de distintas e diversas lutas pela dignidade humana, aliás o respaldo mais vigoroso de reconhecimento da pluralidadee da diversidadehumanas; enquanto tais, elas não são um dado imutável, mas uma construção histórica e social que fez frente a violações sistemáticas desses direitos – desigualdades, intolerâncias, agressões, exclusões, discriminações. Com o ocaso de ideologias mais ou menos igualitárias, hoje são os direitos humanos que facultam os referenciais críticos das injustiças – qual “guia político” da luta pela dignidade humana; ademais, são eles que nos advertem dos efeitos colaterais do fenómeno da globalização, sejam eles “justificados” como efeito da ideologia do livre mercado, resultado do progresso das tecnologias de informação ou do avanço da robotização.

4. O escopo primacial é a promoção duma cultura da justiçae da paz. No entanto, para dissipar a conflitualidade que cada vez mais emerge e mais intensa, privilegia-se o método da prevenção dos conflitos(políticas sociais e económicas em prol do desenvolvimento, desarmamento, negociação diplomática, arbitragem, etc.). O uso da força só é admissível perante uma violação ampla e reiterada dos direitos humanos, pondo em perigo a paz e a segurança internacional, que será legitima (uso da força militar) quando decidida pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Ao longo de décadas assistiu-se a uma valorização dadignidade intrínseca de todo o ser humano – apesar da regressão crescente na China ou em países árabes e africanos, efeito da intolerância política ou do fanatismo religioso. Tal valorização significa que qualquer indivíduo, quem quer que seja, e em qualquer lugar, deve ser reconhecido como titular de direitose deverespor ser pessoa; ou, nas palavras densas da filósofa Hannah Arendt – judia, detida num campo de concentração – ter “direito a ter direitos”.

O autor não escreve segundo o denominado acordo ortográfico


Autor: Acílio Estanqueiro Rocha
DM

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9 dezembro 2018