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Selenitas, marcianos e os limites da imaginação

As notícias falsas não são recentes na história do jornalismo, mas houve ocasiões em que a mentira ofereceu um vigoroso estimulante para a imaginação dos leitores. Mais ou menos por esta altura de Agosto, há cerca de 180 anos, um jornal dos Estados Unidos da América dava conta de impressionantes descobertas realizadas na Lua. As primeiras páginas sobre o assunto foram publicadas no dia 21 de Agosto de 1835. Nesse dia, o New York Sunanuncia que o astrónomo John Herschel, então trabalhando no Observatório da Cidade do Cabo, na África do Sul, tinha feito sensacionais descobrimentos e promete que os divulgará em breve. Quatro dias depois, honra o compromisso e, em seis artigos, com adequadas ilustrações, expõe detalhadamente o resultado da actividade do astrónomo. Na Lua, encontrou ele, por exemplo, vegetação, água, unicórnios ou castores inteligentes. E, como se não bastasse, havia lá, ainda, seres alados que bem podiam passar por humanos. John Herschel não só ignorava por completo a iniciativa jornalística, como desconhecia o que diziam que ele conhecia. Os leitores, todavia, acreditavam plenamente nas informações do New York Sun. Para o jornal, o melhor de tudo era a crença servir para multiplicar as vendas, que, aliás, não baixaram muito quando a falsidade foi descoberta. O autor do engodo terá sido Richard Adams Locke, que, além de jornalista, foi também escritor de obras de ficção científica e editor – de Edgar Allan Poe, por exemplo. Formado em Cambridge, com a série de artigos sobre as descobertas lunares, pretendia ridicularizar os estudos da época, supostamente credíveis, que garantiam a existência de habitantes da Lua. A história que ficou conhecida como “A grande mentira sobre a Lua” é contada num dos painéis da exposição “Xulio Verne – Os límites da imaxinación” (que pode – e merece – ser visitada até 16 de Setembro no Museu de Arte Contemporânea de Vigo). A razão da referência ao seu autor, Richard Adams Locke (mesmo dando-se o caso de o jornalista nunca ter confessado ter escrito os textos, eles têm-lhe sido atribuídos), é justificada pela circunstância de os ecos da polémica jornalística se escutarem ainda quando Jules Verne escreveu À volta da Lua, obra que prolonga Da Terra à Lua. Não são apenas as fake-newslunares que são lembradas na exposição sobre Júlio Verne, que assinala os 150 anos da visita do submarino Nautilus à baía de Vigo, ficcionada na obra 20 Mil léguas submarinas. A falsa notícia da invasão dos Estados Unidos da América por marcianos, difundida radiofonicamente no dia 30 de Outubro de 1938 num programa de Orson Welles que adaptava A guerra dos mundos, de H. G. Wells, é também recordada, assim como o forte impacto que causou. Apresentando-se no começo da emissão como o professor Pierson, “famoso astrónomo do Observatório de Princeton”, Orson Welles deu conta da ocorrência de uma série de fenómenos na superfície de Marte. Noticiou, depois, que um disco voador aterrara numa quinta de New Jersey e, a seguir, que outros discos voadores ocupavam múltiplos locais do país. O relato, apresentado num tom verosímil e alarmista, foi assaz persuasivo para mais de um milhão de ouvintes e suscitou o pânico numa significativa parte deles. Não se aperceberam de que o programa, tal como foi inicialmente indicado, era simplesmente uma adaptação radiofónica de uma obra de ficção científica. Distinguir a verdade da mentira sempre teve utilidade, fosse em que época fosse. Para o sucesso do empreendimento dá jeito saber ler, ouvir e ver e fazer algum esforço para o aprender. Ainda que seja injustificada qualquer preocupação por causa dos selenitas ou dos marcianos. Por eles, que não haja limites à imaginação.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

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19 agosto 2018