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Estado, para quê?

1. Um Colóquio recente nos Açores levou-me a paisagens onde não vi nem eucaliptos nem pinheiros bravos, mas um cenário de múltiplos matizes de verdes, emoldurado pelos azuis do céu e do mar, qual lugar resplandecente que convida ao passeio, onde a beleza refulge, que faz dos Açores um lugar paradisíaco, um dos espaços mais bonitos do mundo, inesquecível para quem aí foi – o Éden na Terra. Neste périplo vislumbrei outras espécies florestais, entre as quais a criptoméria (introduzida há pouco mais de um século), muito comercializável para habitação, o cedro, que estamos habituados e ver mais como arbusto mas que aqui se torna árvore de maior porte (também comercializável), tal como a acácia, e onde se plantam outras árvores de pequeno e médio porte, como a faia, o plátano, a bétula, o medronheiro, a olaia, etc. Se juntarmos a luxuriante vegetação que se estende por todo o território, o ar puro e fresco que se respira, as várias e lindíssimas lagoas, as cascatas, os campos floridos e verdejantes (cheios de vacas), temos uma paisagem verdadeiramente viçosa e natural, cenário também de centros históricos, belas igrejas e conjuntos monumentais, quais "ilhas encantadas", que já foram ponto de paragem obrigatório na rota atlântica, entre o velho e o novo mundo. Se juntarmos ainda o parque “Terra Nostra” – um dos mais belos jardins botânicos –, repleto de camélias, de fetos arbóreos e outras espécies endémicas, um “ex libris” dos Açores, podemos exclamar: se, quando viajamos, buscamos, nas cidades, parques e jardins, aqui, o jardim é toda a ilha, onde estão cidades. 2. Essa viagem aplacou uma outra, quando me desloquei em romagem aos nossos entes queridos, nas datas litúrgicas próprias, a terras dos concelhos de Arouca, no nordeste do distrito de Aveiro, e de Figueiró dos Vinhos, no norte do distrito de Leiria, onde as belezas naturais e paisagísticas que antes preponderavam são agora manchas escuras; e, quando árvores se vêem, são ainda eucaliptos e pinheiros bravos que há por todo o trajecto. É verdadeiramente indescritível o impacto visual dos incêndios florestais: uma imagem dessas vale mais que mil palavras, sobretudo quando sabemos, ao calcorrear campos negros e uma paisagem devastada, que morreram mais de cem pessoas – o que causa uma dor de alma indizível! 3. Li num diário que, na Quinta da Fonte, precisamente em Figueiró dos Vinhos, “tudo ardeu à volta, menos as árvores plantadas há décadas”: aí, “uma mancha verde destaca-se da paisagem negra envolvente”, rodeada de “carvalhos, castanheiros, oliveiras e sabugueiros”. Ora, como sabemos, eucaliptos e pinheiros bravos têm abundado, cada vez mais, por todo o lado, de mal a pior! E tudo isto dura há décadas, sem que nada de eficaz se faça na prevenção e na legislação. Quando tantos incendiários são presos pela polícia judiciária (como em anos anteriores), em vez de soltos, importaria saber ao serviço de quem estão por actos tão inomináveis, a que deveriam corresponder penas pesadas, quer para mandatários quer para executantes, pois, como foi tornado público, 98% dos fogos têm origem humana e 75% são de origem criminosa. Sobre os incêndios escrevíamos aqui há um ano o texto “Terrorismo de Verão”, porque terrorismo é, e como terrorismo deveria ser tratado; e atingiu-se, em 2017, o inimaginável! Quais as razões de mudança da cadeia de comando da Protecção Civil? Já o primeiro-ministro António Guterres, no final do século passado, pensava acabar com a praga dos “jobs for the boys (and girls)”, e foi ele que saiu ante o lamaçal de incompetência dessa turba. Este, um imperativo básico do Estado: para quando verdadeiros concursos na atribuição das funções, aos melhores? E não vamos falar do tão propalado falhanço dos meios de prevenção e controlo, denominados SIRESP, questão que vem de há muito, de vários governos, mas parece que sem responsáveis! Diz-se que será à Força Aérea que será cometida a tarefa de estar no terreno e operar com os respectivos meios de combate a incêndios florestais. Mas isto há muito que era óbvio; e já foi assim… Porque se mudou? São as próprias populações que repetem: por que é que a Força Aérea não actua? Tanta coisa que não se explica, e tantas explicações canhestras, querendo fazer de tolos os cidadãos… 4. Tem-se repetido que isto foi a falência do Estado! Sobre este, e sua finalidade, qualquer compêndio ou tratado afirma, desde as primeiras páginas, que é a segurança da vida e da integridade das pessoas, e de seus bens. Ora, em consequência dos fogos, este foi o ano pior de sempre: mortes de pessoas, de animais, centenas de casas ardidas, uma devastação geral de área queimada de 520 mil hectares, quatro vezes maior que a registada na vizinha Espanha (esta, 5,6 vezes maior). Falhou, pois, o Estado e as suas instituições, à excepção do Presidente da República, e da sua incansável acção junto das populações – o rosto visível e persistente do Estado. O autor não escreve segundo o denominado acordo ortográfico.
Autor: Acílio Estanqueiro Rocha
DM

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21 novembro 2017