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Fazer exemplo e o seu contrário

O exemplo é algo que marca o ser humano desde o início da vida. Já vimos alguém vindo de trás, ultrapassar tudo e todos, para chegar primeiro, ser atendido com prioridade, colocar-se nos lugares não marcados da frente, fazer-se mais importante do que é. Trata-se de uma questão de berço, de valores e princípios. Viajar num autocarro e recostar ao máximo o seu banco, indiferente ao passageiro que vai no lugar de trás é uma atitude de quem pensa primeiro em si. Avançar à frente dos que estão numa fila, ter pressa de ser atendido, de entrar no teatro, no cinema, numa loja ou numa repartição pública, são outros exemplos de situações em que nos colocamos ou que vemos outros fazer e que denotam egoísmo.

Mas, há quem proceda diferentemente. Passos Coelho, ex-primeiro-ministro, no funeral de Francisco Pinto Balsemão, ao contrário de outros, não quis gozar da prerrogativa de utilizar outra porta para ir prestar homenagem. Uma atitude pouco normal num político que mereceu reparo de quem apreciou a intransigência do antigo primeiro-ministro perante a oferta de poder encurtar caminho. Tiro-lhe o chapéu, logo eu que lhe critiquei as medidas que impôs, ao arrepio do que havia prometido na campanha que o levou ao cargo de primeiro responsável do Governo no período da troika. Surpreendeu pela sua humildade. Ficou à espera como a grande maioria dos que quiseram ir. Fez exemplo que não é normal, mas que talvez possa ser replicado por alguma outra personalidade de elite no futuro.

O Governo faria exemplo se se tivesse antecipado às greves que se efectivaram na semana passada. Evitariam consumições a muitos cidadãos. Sou defensor do direito à greve e nunca se poderá dizer que uma é justa e outra injusta, uma subjectividade que só interessa à entidade atingida pela reclamação. Está para acontecer a primeira vez que um governo se antecipa e evita uma greve. A corda estica e parte-se com regularidade porque o lado patronal não se dispõe a negociar entre iguais, mas do alto do pedestal. E os prejuízos, que dependem da adesão, são sempre reais para o conjunto dos cidadãos.

As notícias falaram de "grande greve", de que "a greve está a afectar toda a actividade programada nos hospitais e centros de saúde", que terá havido uma "grande adesão à greve", afirmações da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, da FNAM e da Fenprof. Na verdade, foram muitos os professores, educadores, auxiliares das escolas, médicos, enfermeiros e auxiliares dos serviços de saúde, trabalhadores dos transportes públicos, inspectores e funcionários do fisco, funcionários judiciais, entre outros, a protestarem. E, em consequência, muitos alunos que ficaram sem aulas, muitos pais que deixaram de trabalhar para ficarem com os filhos em casa, muitos actos médicos adiados, a acumular aos que ainda não tinham sido marcados ou estavam atrasados, muitos trabalhadores que tiveram de encontrar uma outra forma de chegar ao emprego que não a de todos os dias, muitas idas às repartições públicas que se fizeram em vão ou foram reagendadas, muitas diligências judiciais que se não fizeram. Além de todos esses inconvenientes, a economia apanhou por tabela e a administração do Estado produziu menos. De todas as vezes que o Governo se não coloca ao lado das reivindicações justas dos seus colaboradores não está a fazer exemplo, no sentido positivo do verbo. Perdemos todos e quem podia e devia ser diligente e fazer exemplo não fez o suficiente e, em alguns casos, não fez nem mesmo o mínimo.

Luís Martins

Luís Martins

28 outubro 2025