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Equilíbrio entre verdade e liberdade




 

 


Se eu disser de uma certa figura da nossa praça – ‘cresce e aparece’! Isso será liberdade de expressão, dizendo a verdade, ou entrará na categoria de ofensa e possivelmente de insulto? Mas a dita é mesmo de pequena estatura. Estarei, por isso, a faltar à verdade se disser outra coisa. No entanto, isso, não será expor a tal figura ao ridículo, matéria em que ela sabe mover-se e pela qual é aplaudida?



 

1. Nos tempos mais recentes tem sido alvo da discussão social, política e quase cultural a temática de sabermos se o humor entra na esfera da liberdade de expressão. As posições parecem algo movidas por interesses assacados ao âmbito de onde podem proceder as opiniões. Com efeito, os que acham que as tiradas (piadas) humor estão na linha de se poder dizer tudo e o resto, mesmo que isso possa ofender ou (sei lá) faltar totalmente à verdade, defendem a ‘liberdade de expressão’, nunca por nunca podendo ser coartada por ninguém. Os que acham que há limites para mofar com pequenos defeitos, com intervenções infelizes ou até com gaffes de linguagem consideram que a ‘liberdade de expressão’ tem de ter limites, se possível recorrendo a artefactos legais…



 

2. Temos visto e ouvido certas reações corporativas do setor dos humoristas a roçar a incongruência, pois os humoristas consideram-se intocáveis e quem não entende ou cultiva está fora do seu quadro cultural, podendo ser ridicularizados por não terem o cumprimento de onda das suas intelectuais intervenções. Algumas ideologias têm-se estribado nessa faceta do humor por ser acharem os brâmanes da nossa cultura enfezada e populista. De facto, há áreas da nossa (dita) cultura que estão aprisionadas por valores onde só vence quem aplaude as cliques mais ‘ousadas’ na brejeirice, no chorrilho de termos do calão, no uso e abuso do palavrão, nas letras com sentido dúbio ou a confundir o que-se-diz-com-o-que-se-pretende-insinuar… Recordem-se as sessões de ‘stand-up comedy’ dos anos da pandemia e veremos salas cheias a rirem e aplaudirem ‘humoristas’ a usar tais recursos de baixa qualidade, digo eu.



 

3. Desde tempos antigos sempre fomos um povo dado à crítica social. As cantigas de escárnio e de maldizer são o preâmbulo da nossa literatura e muitas vezes a sátira estava associada a este género literário. O começo do nosso teatro, sobretudo ao estilo vicentino, usou muito a arte de criticar e até o modo de fazer correção de situações de âmbito social e religioso. Nos tempos da ditadura a ‘revista’ consiga comunicar usando palavras que fizessem pensar, sem terem de ser riscadas pela censura. De tudo isso fomos colhendo frutos e lançando sementes em conjugar o epíteto: a rir se corrigem os costumes, da expressão latina, ‘ridendo castigat mores’… Com efeito, será mais fácil corrigir erros, vícios e malefícios a rir do que de forma brusca e agressiva.



 

4. Estaremos agora a modificar este meio educativo de âmbito social, ao lançarmos piadas que em vez de fazerem pensar ofendem os visados? Com que direito os ‘nossos’ humoristas se consideram acima do comum dos mortais para se ofenderem porque os outros se ofendem com as suas piadas secas e de mau-gosto? Será esta uma nova forma de dogmatismo populista, onde uns se consideram superiores ao resto da populaça? Quem os investiu em censuradores sociais, quando parecem servir intentos indisfarçáveis de ideologia mal gerida e desatualizada? Como reagirão quando forem visados nas piadas de outros, terão tão bom senso para aceitarem quem os critica? O que leva ainda tantos papalvos esgotarem salas para ouvirem tiradas recessas dos mesmos humoristas?



 

5. Se bem que nem tudo se possa levar pela galhofa, o sentido de humor e a necessidade de rir são notas que precisamos de exercitar com regularidade. Mal vai o equilíbrio emocional e intelectual de uma pessoa, se ela não for capaz de se rir de si mesma, sobretudo nas gaffes, erros e episódios bizarros do nosso dia a dia. Deveria ser obrigatório, como a necessidade de comer, a precisão de rir ou sorrir alguns minutos por dia. Afinal, o sentido de humor é um dom e uma graça a pedir…



 

António Sílvio Couto

António Sílvio Couto

13 outubro 2025