Os jornais portugueses traziam ontem nas primeiras páginas, com mais ou menos destaque, a notícia da atribuição do prémio Nobel da Paz a Maria Corina Machado, a líder da oposição na Venezuela. A política é uma figura famosa globalmente e quem a desconhecia pôde agora ficar a saber quem é. Como sucede sempre ou quase sempre, a atribuição de qualquer distinção suscita aplausos e pateadas. Assim foi mais uma vez. Assim seria, com mais apupos, com certeza, se a escolha tivesse sido outra, sobretudo se o Nobel da Paz fosse entregue a Donald Trump, um ególatra que quer mais o prémio do que a Paz.
O porta-voz do Instituto Nobel informara que eram 338 os candidatos indicados ao Prémio Nobel da Paz de 2025, 244 personalidades e 94 organizações. Em relação ao ano anterior, registava-se um aumento significativo de indicações, tendo os membros do Comitê Nobel norueguês podido adicionar mais designações à lista durante a primeira reunião, realizada no dia 28 de Fevereiro. Foi em 2016 que se registou o mais elevado número de candidatos, 376.
Ainda que os nomes não sejam tornados públicos, o tratamento noticioso da atribuição deste relevante prémio poderia oferecer uma oportunidade singular para divulgar o trabalho inestimável que personalidades e organizações desenvolvem em prol da paz. Muitas são desconhecidas para a generalidade da opinião pública.
É certo que os dias que antecedem o anúncio do vencedor são marcados pela indicação de quais são os candidatos favoritos segundo as casas de apostas. As listas são, em geral, pouco informativas em relação ao trabalho que cada personalidade ou organização empreende.
Há, todavia, excepções. E graças a elas pudemos ficar a conhecer, mesmo que algo superficialmente, pessoas e organizações credoras de reconhecimento [1].
Notável é o trabalho que as Emergency Response Rooms desenvolvem no Sudão. Elas constituem uma rede humanitária descentralizada que opera em centenas de pontos do país, que tem vindo a ser devastado por uma guerra civil sem fim à vista. Os voluntários das Emergency Response Rooms administram cozinhas comunitárias, distribuem cabazes de alimentos, fornecem assistência médica e organizam evacuações. Além disso, documentam o conflito, que a Organização das Nações Unidas diz ser a causa da “maior crise humanitária do mundo” e fornecem informação aos media internacionais.
O trabalho humanitário é essencial. Algumas organizações não governamentais estimam que 18% da população mundial vive agora na pobreza multidimensional e mais de 300 milhões de pessoas dependem da assistência humanitária.
Standing Together foi outra organização muito pouco conhecida, cujo trabalho foi divulgado nestes dias mais recentes. Fundada em 2015, é integrada por pacifistas israelitas e palestinianos que combatem contra a colonização israelita e pela igualdade entre ambas as populações. Os membros têm-se oposto frontalmente à guerra em Gaza, organizando manifestações e acções humanitárias.
Entre os que poderiam ter recebido o Nobel da Paz, incluem-se ainda os Repórteres Sem Fronteiras. Ao entregar o Nobel da Paz à jornalista filipina Maria Ressa e ao jornalista russo Dmitri Muratov em 2021, a importância de uma imprensa livre e independente já tinha sido sublinhada. Mas o assassinato de mais de 200 jornalistas em Gaza em dois anos justificaria, por si só, uma distinção da organização que tem erguido a voz para defender os que arriscam a vida para cumprir a missão de informar.
É escusado explicar por que o trabalho de quem defende a paz, sobretudo das personalidades e das organizações cujos membros correm riscos extremos, deveria merecer muito mais atenção dos media e reconhecimento da opinião pública.
[1] Grégoire Sauvage – “Nobel de la paix : dix concurrents qui pourraient priver Trump du prix qu'il convoite tant”. France 24, 9 de Outubro de 2025