“O que define um empresário é a sua capacidade para descobrir mil soluções para um determinado problema. E o que define um funcionário público é a sua capacidade de levantar mil problemas para cada solução”.
Esta “sentença”, que encontrei algures, talvez num livro de humor agressivo, deve ser convenientemente matizada. Se há empresários extraordinários, honestos e eficazes, há também os que pensam só em si e, perante o soçobro duma iniciativa, fogem às suas responsabilidades e podem deixar muita gente desempregada e em más circunstâncias económicas e sociais. Quanto aos funcionários públicos, generalizar as suas fraquezas como o faz a “sentença” referida, é esquecer todos os que trabalham com afinco, procuram resolver os problemas dos que a eles acorrem e se esforçam com responsabilidade por servir o bem comum, que é, ao fim e ao cabo, o bem de todos os cidadãos que necessitam do seu concurso para que a vida siga vias acolhedoras e estimáveis.
Mas na vida cristã, existe um espantoso “empresário”, o Deus a Quem servimos. É perfeito em Si mesmo, nos fins com que nos criou e em tudo aquilo que nos pede ou exige. Nunca insinua coisa alguma que seja incompatível com as faculdades de cada um; faculdades naturais, como a inteligência racional, a vontade livre e a afectividade, que nos permitem receber um dom que nos oferece, cheio de generosidade e de amor, a sua graça. Ela ajuda-nos e dá-nos mais energia para realizar tudo aquilo que Deus nos propõe, sempre com um completo respeito pelo nosso livre arbítrio.
Inclusivamente, é Ele o melhor conhecedor das circunstâncias que nos rodeiam, podendo, de acordo com elas e a sua dinâmica, exigir mais ou menos das nossas possibilidades. Os seus juízos sobre nós, tal como a sua natureza, primam pela absoluta perfeição, objectividade e justiça e também pela misericórdia com que nos trata. Perdoa-nos até 70x7, ou seja, a linguagem do perdão encontra no nosso Deus o maior representante. Por isso, apesar dos nossos fracassos, das nossas infidelidades, das nossas fraquezas, enfim, das nossas misérias, será Ele o mais indulgente e probo dos juízes quando nos chamar para a vida eterna. Ou seja, é um empresário que deseja tirar de quem O segue todo o rendimento que lhe é possível para praticar o bem e, porque o estima duma forma incontornável, quer que ele receba, como prémio, o maior dos lucros e vantagens que é a vida eterna na sua constante companhia, fonte de toda a ventura e de todo o bem.
Mas o fiel seguidor de Cristo não pode esquecer que, contrariando duma forma ressabiada e fraudulenta a acção divina de salvação, existe um outro “empresário”, que falhou completamente nos seus projectos de felicidade e que, por um orgulho acumulado e frustrado, quer, a todo o custo, afastar-nos da misericórdia de quem nos deu a existência. É o diabo. A sua existência, por culpa própria e rancorosa, é, depois de se ter afastado do Criador, uma constante frustração cega e patológica. Não sabe nem quer respeitar-nos como seres livres, à maneira de Deus. O seu objectivo, através de propostas aliciantes e mentirosas – Jesus chamou-lhe “o Pai da mentira” –, consiste em que recusemos as propostas de acção divina para connosco e acreditemos nele e nos seus subterfúgios. Se cedemos, experimentaremos, da sua parte, não o respeito pela nossa liberdade, mas o esfrangalhamento de todas as nossas capacidades, com o intuito de se apoderar de nós e nos manietar como um imbecil sem quaisquer regalias.
O diabo é muito pior que um funcionário público desleixado e incompetente, que exige direitos que não tem e pensa apenas viver à custa da sua modorra. Deste modo, apresenta-nos todas as soluções fáceis ou algo custosas da nossa vida, como problemas insolúveis. Convida-nos à preguiça, ao desleixo, ao enquistamento num orgulho asfixiante, às mais asquerosas atitudes em defesa dos nossos pretensos direitos individuais, do nosso prazer e bem-estar, em desprimor dos outros que connosco convivem ou de nós dependem.
Não quer que decidamos com liberdade as questões que se nos apresentam. Sempre nos convida a enveredar pelo caminho mais fácil, ainda que ele seja detestável e imoral. Ofusca-nos o entendimento, a vontade e a afectividade. E quando nos entregamos às suas solicitações, amordaça-nos, esmigalha-nos, humilha-nos, sufoca-nos e maneja-nos como uma coisa desprezível, de que se ri com desprezo e sem qualquer réstia de piedade ou comiseração. O diabo é o ser mais frustrado e infeliz que podemos conhecer e imaginar. Não quer, porém, sair da sua soberba petrificada, cheia de ódio a si e a tudo E, sempre em desespero alucinante, procura aprisionar quem dele se aproxima.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva