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Uma greve geral sem consenso

A greve geral convocada pela UGT e pela CGTP contra o Anteprojeto Trabalho XXI gerou menor consenso entre os trabalhadores, revelando uma desconexão difícil de ignorar entre o objeto do protesto e os principais protagonistas.

Convém sublinhar um facto essencial: o Trabalho XXI dirige-se fundamentalmente ao setor privado. Trata-se de um conjunto de propostas que pretende rever regras do mercado de trabalho privado, num contexto de transformação económica, digital e demográfica. No entanto, a greve teve um impacto predominante no setor público, onde se concentram os sindicatos mais mobilizados e onde os efeitos da paralisação foram mais visíveis — transportes, escolas, serviços administrativos e saúde. Para muitos cidadãos, sobretudo trabalhadores do setor privado, esta discrepância tornou a greve difícil de compreender.

A posição oficial da UGT enumera um vasto conjunto de críticas: o alargamento dos contratos a prazo e da contratação precária, o regresso do banco de horas individual, a redução da formação profissional, alterações no regime das plataformas digitais, o alargamento das isenções de horário, mudanças nas comissões de serviço, limitações à atuação da ACT e a substituição da reintegração por indemnização em caso de despedimento ilícito. A lista é longa e, à primeira vista, alarmante. Contudo, estas matérias, nem individual, nem em conjunto, justificavam uma greve geral, sobretudo no momento em que sucedeu.

O Trabalho XXI está ainda em fase de anteprojeto – o governo nem sequer apresentou uma proposta de Lei – carece de negociação, pode e deve ser melhorado no âmbito do diálogo social. A adaptação do direito laboral a novas realidades económicas não equivale automaticamente a um ataque aos direitos dos trabalhadores. A rigidez absoluta também tem custos, muitas vezes pagos pelos mais jovens e pelos que procuram entrar no mercado de trabalho.

Há, contudo, um ponto que merece atenção especial e onde a crítica sindical poderia ser legítima: a generalização da substituição da reintegração do trabalhador despedido por indemnização. Aqui está em causa um princípio estruturante do direito laboral português e um pilar da proteção contra despedimentos ilícitos. Este aspeto exige prudência e equilíbrio. Ora, lendo o Anteprojeto, a alteração proposta ao artigo 292.º, n.º 1 do Código do Trabalho pretende apenas alargar a todas as empresas o que agora está apenas prevista para microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direção. Mas a exclusão da reintegração de que a norma se ocupa continua a não ter efeito automático, pois mantém-se a necessidade da empresa o requerer ao Tribunal, tendo o Juiz o poder de aceitar ou não a exclusão.

Importa enquadrar o direito à greve com rigor histórico e político. Winston Churchill – o grande estadista do século XX – reconheceu explicitamente o papel dos sindicatos e o direito à greve, afirmando que estes são “uma parte longa e essencial da nossa vida nacional” e que os trabalhadores têm o direito de ajustar salários e condições através da negociação coletiva, incluindo o direito à greve.

Mas o mesmo Churchill, em março de 1926, perante a ameaça de uma greve geral no Reino Unido, concordou na Câmara dos Comuns com a afirmação de um deputado – indo mesmo mais longe – que existiam greves gerais destinadas a forçar legislação e que essas eram chocantes e inconstitucionais. Para Churchill, havia uma distinção clara entre uma greve inserida num conflito laboral concreto e uma greve geral usada como instrumento de pressão política sobre o Parlamento.

Certo que este enquadramento histórico não é transponível para a greve ocorrida no passado dia 11. O contexto político, social e institucional é diferente e não estamos perante uma ameaça à ordem constitucional. Ainda assim, a reflexão mantém atualidade: quando uma greve geral parece dirigir-se mais ao plano político do que à resolução concreta de conflitos laborais, o risco de incompreensão pública é real.

Tal como há quase cem anos, a saída não está na radicalização, mas na negociação séria. A conclusão continua válida e atual, ecoando as palavras do próprio governante Churchill: “iniciaremos imediatamente, com todo o cuidado e paciência, a longa e árdua tarefa, já desenvolvida ao longo de muitas semanas, de reconstruir, sobre bases económicas sólidas, a prosperidade…”.

É esse caminho – exigente, menos ruidoso e mais responsável – que os cidadãos esperam de todas as partes.

Carlos Vilas Boas

Carlos Vilas Boas

18 dezembro 2025