“Foram-se os censores, ficaram os tiques.” (#)
A democracia portuguesa tem vindo a perder qualidade, em várias vertentes, imprescindível ao seu bom funcionamento. Isto, segundo referem alguns estudos de organismos internacionais que se dedicam à avaliação das democracias europeias. Até eu, que não sou expert na matéria, há muito que venho dizendo que temos um regime pouco democrático. Logo a começar pela teimosia dos Governos em não reformarem, de uma vez por todas, o sistema de Justiça e a acabar na falta de imparcialidade, isenção e rigor na informação que é passada aos cidadãos. Mas não só. É notória a procura de afastamento das vozes críticas e inconvenientes aos instalados no regime.
Com efeito, sempre que alguém emite uma opinião contrária ao politicamente correto vigente, ou põe a nu alguns podres de que enferma esta nossa democracia, os apaniguados do costume não só procuram logo achincalhá-lo, como lhe lançar epítetos de ‘pirata’, ‘populista’ e, até, ‘fascista’. Desta feita, vamos assistindo ao afastamento de alguns profissionais do jornalismo de investigação que expõem, às claras, tudo quanto são crimes de lesa-pátria e outros que, segundo os senhores mandantes, deveriam ir parar à lixeira, tal como vem acontecendo com algumas escutas telefónicas feitas a certos figurões suspeitos de crimes.
Veja-se o caso da Jornalista Manuela Moura Guedes, corrida dos canais televisivos por ter afrontado o eng.º José Sócrates e contradizer o dr. Marinho e Pinto; a profissional da comunicação Ana Leal suspensa da TVI, em casa e a receber vencimento por ser voz ‘non grata’ e, como ela, outros comunicadores dos vários Órgãos de Comunicação Social.
Mais recentemente e após 21 anos na RTP1 tivemos a coordenadora e pivot do programa ‘Sexta às 9’, Sandra Felgueiras, a anunciar que iria rumar aos quadros da ‘Cofina’ em janeiro de 2022. Ou seja, à ‘CMTV’ e como nova diretora da revista ‘Sábado’. (Aliás, a precisar de uma lufada de ar fresco e com a qual já colaborei, mas que deixei em desalinho com o discurso). Tais foram as pressões sobre si por revelar crimes – quase perfeitos – inclusive praticados por figuras públicas, os quais, se não fosse ela e a sua equipa, apenas, seriam tratados pela rama. Em tom de desabafo, no seu último programa, de 26 de novembro findo, Sandra lá foi dizendo: - “nunca desistirei de estar aqui a levar o jornalismo o melhor que sei e posso até si, custe o que custar, doa a quem doer”. Não deixando de lançar algumas farpas não só à liberdade de imprensa, como à servil postura de uma grande parte dos profissionais dos mais importantes órgãos de informação.
Já nós, portugueses, lá vamos assistindo ao branqueamento dos escândalos a envolverem rios de dinheiro. E o que vemos? Televisões e imprensa, dita democrática e livre, a reagir com estrondo, cara de pau e aparente indignação a esses casos, mas logo esquecidos por outros que, entretanto, aparecem. Fazendo deles uma rotina, de somenos importância, ainda que o país sofra com tamanha ladroagem.
O exemplo mais flagrante dessa inoperância rotineira, foram as denúncias do célebre informático Rui Pinto, algemado, preso e enxovalhado pelo dom da sua perspicácia em investigar a pouca-vergonha por que passa o futebol nacional. Tendo afirmado: “não há em Portugal quem esteja interessado no que investiguei”. E o que vemos em aparente resposta? As nossas autoridades judiciárias a vasculharem as instalações de alguns Clubes de Futebol e residências de pessoas a eles afetos, a ver se veem em que bolsos caíram os muitos milhões de euros rapinados às verbas das transferências de jogadores. Uma amostra de tudo quanto o ‘Hacker’ terá revelado às autoridades, mas que, certamente, irá ter o destino do “Apito Dourado”.
Afinal, a democracia portuguesa mais parece estar impregnada de alguns ‘tiques’ dos censores do antigo regime, tendo quem saiba como calar – de forma sub-reptícia – todas as “vozes incómodas” a este ‘status-quo’.
Autor: Narciso Mendes
Vozes incómodas
DM
6 dezembro 2021