É de desconfiar de quem considera que uma das suas mais importantes propostas de reforma em Portugal seria “reformar a Constituição” propondo politizar o Ministério Público ao torná-lo supostamente “mais democrático”. É o caso de Rio – que de social-democrata pouco tem – e que coloca em causa o próprio art. 111º da Constituição, “Separação e interdependência” dos poderes: “1. Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição. / 2. Nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei”. E que não venha com a treta de que uma coisa são os Tribunais e os juízes e outra, bem diferente, o Ministério Público. É que a Justiça, tal como está consagrada na Europa Continental não existe sem a devida autonomia do MP. Até porque, por vezes, o criminoso é o próprio Estado. Foi uma das lições mais importantes que tive de um dos meus Orientadores, Jorge de Figueiredo Dias. Entretanto Montesquieu deu três voltas no túmulo. Além do mais, o MP não é obrigado a pautar toda a sua acção a favor do Estado. O MP dever-se-á pautar sempre pelo Interesse Público. E não procurar dar razão, a qualquer custo, e em qualquer circunstância, ao Estado. O voto também deverá ser contra a corrupção. Não deixa de ser curioso aliás que se fale tanto em democracia e eleições e ao mesmo tempo, p.e. no ensino superior, se aposte, inclusive no sector público, sobretudo nos cargos internos de nomeação e não de eleição democrática. É que, se a aposta no ensino superior, na investigação e na ciência, deve ser cada vez mais acentuada, não deixa de ser irónico que estejamos a transmitir às novas gerações, e aos docentes mais velhos ou novos que ensinam, alguns precários e medrosos, que o importante são os cargos de nomeação e não os cargos por eleição. Assim pouco conta a meritocracia. Conta mais a graxa oportunista e pacóvia, a parolice. Só a hipocrisia de um conjunto de fariseus patéticos pode continuar a achar que isto é saudável para o aprofundamento da democracia. Ou o ensino chamado superior não devesse ser o exemplo para professores, alunos e funcionários. E, claro, para toda a sociedade. Mas, mais tarde ou mais cedo, o feitiço irá se virar contra o feiticeiro. Toda a canalhice tem limites. Todo o abusador de direito e prevaricador acaba por ser confrontado. Quando a injustiça é profunda, o próprio ar se torna irrespirável. Se se cultivam sentimentos anti-democracia, a democracia acabará por morrer. Por outro lado, se se quer votar numa direita a sério, tem que se votar a sério: respeitando a Constituição, não deixará de dizer basta à corrupção económica, social, política, cultural e mental. Quem é de direita não pode votar numa direita caricatural do género “eu só leio o Tio Patinhas”. Não basta ser economista, aliás a economia, que é ciência social, é um curso superior bastante recente no ensino superior português, remontando a meados do Séc. XX. António Oliveira Salazar, tido por muitos como um grande “economista” (que não gostava de economistas) e especialista das finanças públicas, era afinal Professor de Direito Financeiro. E não é pelo facto de o mesmo afirmar muito a importância dos valores de Deus, Pátria e Família, que esses valores lhe possam ser associados sem mais. Podemos continuar a defender com todas as nossas forças mentais e, se necessário físicas, os valores de Deus, Pátria e Família. Não são propriedade de Salazar. De acordo, p.e. com o art. 21º da Constituição (Direito de Resistência): “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”. Não temos dúvidas que deveremos continuar a pugnar pelo direito à vida, propriedade privada, liberdade. Todos de parabéns, aí vai a 400ª publicação no Diário do Minho.
Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira