Há vinte anos atrás, quando iniciei a colaboração regular com o Diário do Minho, a minha primeira crónica versou sobre os resultados das legislativas que se haviam realizado dois dias antes e que deram ao PS uma expressiva vitória com a eleição de 115 deputados, mas falhando a maioria absoluta.
O PSD, liderado então por Durão Barroso, obteve um resultado pior do que o de 1995, perdendo 7 deputados, enquanto o CDS elegeu os mesmos 15 deputados que tinha conseguido nas eleições anteriores, apesar de uma ligeira descida na votação.
À esquerda, o PCP-PEV revertia o seu declínio, com uma subida de votação, elegendo 17 deputados – mais dois do que em 95 –, sendo que a grande surpresa foi a erupção do BE, que conseguiu eleger 2 deputados.
A participação nas eleições foi, à data, a mais baixa de sempre, tendo votado pouco mais de 61%.
Nesse contexto, comentava eu que, “perante muitas promessas não cumpridas, reformas estruturais sistematicamente adiadas e programas parcamente realizados”, o povo português, muito ajuizadamente, entendeu “não conceder ao PS a grande responsabilidade de governar o país absoluta e maioritariamente”. E, reflectindo também sobre a divisão que anteriormente levara à ruptura da nova AD e ao dispersar de votos da direita e do centro-direita, concluía que tal não favoreceu a “desejável construção de uma alternativa credível ao PS” e quase permitia aos socialistas a obtenção de uma “maioria absolutamente inequívoca” que, então, abertamente pediram.
Numa outra reflexão, afirmava que “é tempo para uma profunda reflexão na área do PSD e do PP que contribua para erradicar de vez a partidarite aguda que leva alguns, de um e de outro lado, a supor ser possível destruir o partido mais próximo e aliado natural do seu” e que uma das grandes lições a tirar dessas eleições era “que nenhum dos dois partidos é dispensável”.
Por último, pronunciava-me sobre a mudança de regime eleitoral, “no sentido de serem criados círculos uninominais que permitam uma maior aproximação de eleitos e eleitores e, consequentemente, uma maior responsabilização daqueles por estes” e que, “por outra via, contribua para descentralizar partidariamente a designação e escolha dos candidatos locais”.
Infelizmente para o país, volvida uma vintena de anos, a situação eleitoral, não sendo exactamente a mesma, permite comentários muito semelhantes, embora com um dado deveras preocupante: o crescente alheamento dos cidadãos relativamente aos partidos políticos e ao regime, por quem sentem não ser ouvidos e não estarem devidamente representados e, ainda, a desilusão perante um sistema eleitoral que continua a proteger os partidos.
Com uma abstenção que se fixou na obscena percentagem de 51,43% e com uma vitória do PS com um resultado mais modesto do que em 1999 (108 deputados eleitos), sem a garantia sequer de uma maioria de suporte parlamentar como a da “geringonça” que lhe permitiu completar a legislatura finda, o governo socialista arrisca-se a conduzir Portugal para um declínio lento, mas inexorável, como aliás parece transparecer da composição do novo governo que mais se assemelha ao velho – com 19 ministros (mais dois do que o anterior), só cinco são novos e destes, apenas duas caras são realmente novidade, já que três resultam de promoções de secretarias de Estado a Ministérios.
Sem assumir o rasgo e a volúpia da mudança, reforçando o pendor político da governação com figuras do aparelho partidário, pressente-se que tudo se conjuga para que continue a faltar vontade política e poder para reformar o Estado e o regime e introduzir no país as reformas estruturais de que carece.
Em suma, o novo governo nasce já envelhecido, como vinho velho em odre velho!
Mas mais do que isso, a oposição de direita, agora reduzida a 81 deputados (74 + 5 + 1 + 1 =), contando com o do Chega e o da Iniciativa Liberal, não dá mostras de vir a ser capaz de galvanizar as forças da nação que espera ser redimida da indigência e da mediocridade com que a política e os políticos a têm continuado a governar.
Aguardo com (pouca) expectativa a realização dos congressos do PSD e do CDS e temo sinceramente que o centro-direita não saiba aproveitar a lição das urnas para iniciar um novo ciclo na oposição, por forma a protagonizar um activo movimento de mudança, sem se acomodar à preguiçosa posição de esperar que o governo caia por culpa própria ou por circunstâncias conjunturais.
Autor: António Brochado Pedras
Vinho velho em odre velho

DM
18 outubro 2019