Faz, no dia 2 de Setembro, 21 anos que faleceu Viktor Emil Frankl, um dos mais notáveis pensadores das ciências humanas no século XX, nomeadamente da Psicologia, fundador da 3ª Escola de Psicoterapia de Viena, a Escola da Logoterapia. E é sintomático que entre nós ele continue a ser um quase ilustre desconhecido, o que terá certamente a ver com a ideologia que tem dominado a nossa cultura social. Recordo, por exemplo, que o Prof. Fernandes da Fonseca, professor de Psiquiatria na Universidade do Porto, no seu livro Psiquiatria e Psicopatologia, lhe dedicou apenas 3 linhas, em rodapé, para dizer que ele foi influenciado na teoria dos valores pelas ideias de Max Scheller. E o Prof. Schneeberger de Atayde, que conheci enquanto professor de Psiquiatria na Faculdade de Medicina de Lisboa e da cadeira de Psicopatologia no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, no seu livro Elementos de Psicopatologia, editado pela Gulbenkian, dedicou apenas uma página à Logoterapia. E, no entanto, os livros de Frankl foram traduzidos em mais de 30 línguas e há institutos e centros de estudo da Logoterapia em mais de 30 países, nomeadamente no Brasil.
1.Filho de uma família judia, nasceu em Viena em 26 de Março de 1905 e faleceu em 2 de Setembro de 1997, aos 92 anos de idade. Aos 15 anos já se correspondia com Freud e com Adler e aos 16 anos dava a sua primeira conferência A respeito do sentido da vida. Fez o curso de Medicina e em Setembro de 1942, nove meses depois de se ter asado, foi preso e mais a sua família e deportado para o campo de concentração nazi de Theresienstadt e, mais tarde, para Auschwitz. Recusou o visto de ir para os Estados Unidos para ficar a tratar dos pais, mas acabou por ser preso com eles, que depois morreram no campo de concentração e mais a sua mulher, que estava grávida. Submetido a duros trabalhos, nos últimos meses da sua prisão actuou como médico para ajudar a amenizar os efeitos da febre tifóide e ataques de piolhos nos prisioneiros. Prometeu a si mesmo nunca desistir e tentava animar os colegas de prisão, que preferiam suicidar-se a entregar-se para morrer nas câmaras de gás. Diria, mais tarde, de si mesmo: “encontrei o significado da minha vida ajudando os outros a encontrar o significado das suas vidas”.
2. Acabou por ser libertado a 17 de Abril de 1945. Aí, constatou amargamente que todos os seus tinham morrido, tinha perdido todos os seus laços afectivos, já nada o prendia à vida. Mas, procurou reagir corajosamente a essa perda. E começou por recompor as ideias do seu mais célebre livro “O homem em busca de um sentido”, que os nazis lhe tinham confiscado, quando o prenderam. Durante 9 horas seguidas, ditou-o a três colaboradores. Em 1948, fez o doutoramento em Filosofia, com o tema “O Deus inconsciente”. Em 1955, tornou-se professor de Neurologia na Universidade de Viena. E, mais tarde, foi nomeado professor na Universidade da Califórnia e professor visitante em várias universidades dos USA. E, como conferencista, percorreu dezenas de países. Publicou 32 livros. Da Logoterapia disse Allport, teórico da Psicologia do Indivíduo, que era “o movimento psicológico mais importante dos nossos dias”.
3. Há, entretanto, um facto recente a que a FNAC dá destaque e que nos apraz registar: a publicação da tese de doutoramento sobre Viktor Frankl “BUSCA DE SENTIDO DA VIDA E RECONCILIAÇÃO CRISTÃ, Leitura teológica do pensamento de Viktor Frankl”, de Nuno Manuel dos Santos Almeida, actualmente Bispo Auxiliar de Braga. É um trabalho notável, rigoroso, com uma clara, sóbria e bem documentada análise do pensamento de Viktor Frankl e um ensaio de aproximação à reconciliação cristã. Um livro que, embora não seja de fácil leitura por causa da subtileza do pensamento de Frankl, deve ser lido por todos aqueles que se interessam pelo pensamento e renovação cristã. No mínimo, um livro e um tema obrigatório no curso de Teologia. Muito temos a aprender com ele. Embora denso e profundo, o pensamento de Frankl é claro e actual na sua possível aplicação pessoal e pastoral. A sua filosofia é fundamentalmente optimista e baseia-se na crença, fruto da sua experiência pessoal, de que o fim último da existência humana tem uma meta fora do indivíduo, que dá sentido ao seu existir. Frankl defende uma abordagem espiritual de tipo existencial, focada na experiência pessoal, na liberdade e atenta à descoberta de sentido. Se ele vivesse hoje, diria que o papel primordial da Igreja é sobretudo facilitar a experiência pessoal de Deus, seja ela onde for e em que ambiente for, até porque a experiência mostra que o lugar do templo se foi relativizando. Fazer planos para procurar sucesso? É um erro, diz Frankl: “o sucesso deve acontecer como efeito colateral de uma dedicação pessoal a uma causa maior”. Porque, independentemente de haver ou nãos planos de acção, a vida flui, alheia à sua existência. Cada pessoa e cada comunidade têm os seus ritmos. O plano existencial deve estar aí: na atenção a esses ritmos e aos seus significados, respeitando a liberdade e a diversidade.
Autor: M. Ribeiro Fernandes
Viktor Emil Frankl
DM
26 agosto 2018