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Viemos Todos, Menos Dois

 

Navio: “Uíge”. De Luanda (em 04/07/1970) para Lisboa (15/07/1970). A mando de D. João II, Diogo Cão explorou a costa ocidental africana da Mina (posto de soberania portuguesa no Golfo da Guiné) até à foz do Zaire. O navegador realizou duas viagens de descobrimento da costa sudoeste africana, entre 1482 e 1486. Ao chegar à foz do rio Zaire, Diogo Cão julgou ter alcançado o ponto mais a sul do continente africano, o Cabo da Boa Esperança. Este, inicialmente chamado Cabo das Tormentas, foi dobrado por Bartolomeu Dias em 1498. Em rigor, o extremo meridional de África não é este cabo, mas sim o Cabo das Agulhas. Aquando da partida da Armada de Vasco da Gama para a Índia, em Julho de 1497, surge em cena um Velho do Restelo, personagem introduzida por Luís de Camões em Os Lusíadas. É no fundo como que o símbolo dos pessimistas, dos que não acreditavam no sucesso da epopeia dos Descobrimentos Portugueses. Ele surge na largada da expedição. Trata-se de um ancião que vê os temerários navegadores movidos pela cobiça de fama, glória e riquezas, para si mesmos e para o povo português. Mas não vou alongar-me na História dos reis de «Portugal, e dos Algarves d’aquém e d’além mar, em África, da Guiné, e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia … ».

Nunca os povos dos territórios africanos ocupados pelo nosso país aceitaram, livres, a soberania de Portugal. Mas foram sendo dominados pela força: “uuuu bedecem OOOO (eu explico “os pequenos obedecem aos grandes”.

O desiderato último deste escrito é escrever sobre a guerra colonial. Mas comecei com umas breves linhas de referência à época dos Descobrimentos. Alinho na tese de que eles foram o início, a causa primeira da guerra colonial. Nós portugueses tivemos a ditatorial e imposta desdita de viver sujeitos à teimosa política do «orgulhosamente sós»… desde 1961! Saiu-nos cara esta vivência, que para nos iludir montou uma galeria de heróis, condecorados postumamente. Marcou-se a ferro e fogo uma geração de treze anos. Os que éramos peões, fomos atirados para a guerra colonial. Os nossos comandos militares davam o nome e nós dávamos… “o corpo ao manifesto”. Éramos os números que eles manobravam. Tinham os louros das baixas que sobre nós se abatiam. Éramos carne para canhão, para canhangulo, para mina anti-pessoal ou anti-carro, para catana. Chegámos a ser carne aos bocados ou carne picada. Embarcámos no navio Uíge em 17 de Abril de 1968 para Angola, o B Caç. (Batalhão de Caçadores) 2844. Seu lema era “O Mais Poderoso”, pelos “velhinhos” conotado com o detergente Ajax! Estivemos no mato, algures no norte, na enorme zona temida dos Dembos. Foram 19 meses sem rodar! «Só duas baixas?! Isso é muito pouco! O imperioso é matar e morrer»! Peço licença a Júlio Isidro: Quando o B. Caç. [2844] a Quicabo chegou, o mar ‘inda estava doente; quando de lá abalou, já o dito mar estava morto! O batalhão rodou para Maquela do Zombo, na fronteira norte com a República do Congo (ex-belga), zona de populações, de sanzalas e com postos administrativos. Estive em Sacandica, na ponta NW do mais a norte, a onze quilómetros da fronteira. Ainda recordo a sanzala do Quintoto. Um dos embarcados na minha companhia foi aquele cabo enfermeiro, que lá costumava dizer: «Quando morrer e chegar ao céu, logo que encontrar o Diogo Cão ajusto contas com ele!». Ironia do Destino, Realidade dura: começou a cumprir a sua “comissão de serviço na eternidade” alguns meses depois de termos chegado. Recordo com mágoa o sorriso que a sua face mostrava. Como não esqueço o outro companheiro, da C. Caç. 2364, aquartelada na Fazenda Maria Fernanda que, em uma operação apeada por uma mata desta Vida e daquelas terras, foi também «cumprir a comissão eterna». A minha homenagem neste escrito.
Autor: Bernardino Luís Costa
DM

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16 julho 2021