1.Vem-se generalizando a prática das Via-Sacras ao vivo. Que influência têm nas pessoas?
São uma peça de teatro, em que um conjunto de atores exibe as suas habilidades, ou contribuem para que quem a elas assiste tome uma vez mais consciência do sacrifício redentor de Cristo? São um espetáculo que se vê e nos deixa indiferentes, ou algo que nos revolve por dentro, nos leva a fazer com que a paixão e morte de Cristo não tenham sido em vão?
Esta é uma das grandes interrogações que me faço. Que consequências tem nas pessoas a re-presentação – quando escrevo re-presentação quero significar tornar presente de novo – o mistério da paixão e morte de Jesus?
Penso ser esta uma das grandes finalidades da Via-Sacra. Ajudar-me a tomar mais uma vez consciência de quanto Jesus sofreu por mim e como devo saber aproveitar os méritos desse sacrifício redentor.
2.Aprecio as Via-Sacras que fazem refletir. Que desassossegam e desinstalam. Que são apelo à conversão no seu verdadeiro sentido: a mudança de vida. Que, sacudindo apatias e indiferenças, despertam para uma nova atitude em relação ao sofrimento das pessoas, em quem Cristo está presente.
3.Em 1972 publiquei o livro «Via-Sacra do nosso tempo».
Escrevi, nessa altura:
«Saulo dirige-se para Damasco. O bolso vai cheio de listas com o nome de cristãos; na imaginação, os tormentos a infligir. Um relâmpago o atira por terra, lhe venda os olhos da carne e abre os do espírito. Lamentando-se, chega-lhe a voz magoada de quem sofre:
- Saulo, Saulo, porque me persegues?
- Quem és tu, Senhor?
- Eu sou Cristo, a quem tu persegues (Atos 9, 1-5).
Eu sou Cristo, a quem tu persegues!
Saulo jamais havia falado a Cristo. Nunca as suas mãos se baixaram para o apedrejar. Limitava-se, isso é verdade, a perseguir os sequazes de Cristo. Mas perseguir os cristãos – e não só, acrescento agora – é perseguir Cristo.
Jesus disse: tudo o que fizestes a um destes mais pequeninos a mim o fizestes. Tive fome e deste-me de comer…. » (Mateus 25, 31-46).
4.Além de recordar o que foi o sacrifício de Cristo no passado, a Via-Sacra deve fazer-nos pensar no sofrimento de Cristo, presente nos outros, hoje.
Como a Saulo, Cristo diz hoje a muitos de nós: sou Cristo a quem tu maltratas; a quem não pagas o salário justo ou a quem não entregas o que deves; a quem exploras; de quem te serves; contra quem testemunhaste falso; a quem atropelaste e fugiste; a quem difamas e injurias; de quem escarneces e a quem falas com grosseria; a quem recusas estender a mão; a quem bateste com a porta na cara; que agrediste física e verbalmente; de cujas necessidades abusas; que passa a noite enrodilhado no vão de uma escada enquanto vives no maior dos confortos, etc. etc.
5.Cristo, meus amigos, continua a sofrer. Talvez até em pessoas com quem convivemos e de cujo sofrimento nos alheamos. E é disto que urge tomar consciência.
A concluir o referido livro escrevi: «A Via-Sacra não tem epílogo. Continua, enquanto se não extinguir a malícia dos homens. Nas fábricas, nos escritórios, nos campos, nos estabelecimentos de ensino, nas repartições públicas, no interior das casas, onde quer que o homem viva, Cristo continua a sofrer».
Também é disto que precisamos de tomar consciência e a isto, penso, nos deve levar a re-presentação da Via-Sacra.
Brincar com o sofrimento de Cristo, não. Utilizar o sofrimento de Cristo para satisfazer vaidades e arrancar aplausos, não.
6.Retificação
No texto publicado a semana passada, ao enumerar as novas estações propostas por João Paulo II, saíram repetidas a 10.ª e a 12.ª. A 12.ª é:Jesus na Cruz, a Mãe e o discípulo (nova). Peço desculpa.
Autor: Silva Araújo