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Vampiros

E se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia a porta da chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo,
Eles comem tudo e não deixam nada.

A toda a parte chegam os vampiros
Senhores à força mandados sem lei
Evadem as tulhas bebem vinho novo
Dançam a ronda no pinhal do rei.

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada.
 
No chão do medo tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vítimas de um credo
E não se esgota o sangue da manada.

Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada.

Pois bem, escrito como denúncia de atos repressivos contra a liberdade de pensamento e de ação, pelo regime de antes do 25 de Abril, o poema, hoje, plena atualidade tem, embora aplicado mais ao contexto económico-financeiro; e se os vampiros do antigamente atacavam mais a ideologia socialista e comunista, os de hoje dedicam-se, sobretudo, à apropriação de valores e bens materiais.

E se vampiros de Zeca Afonso eram os torcionários da polícia política, os que atualmente por aí se passeiam servem-se da política mas longe da polícia e são trambiqueiros de fugas ao fisco, lavagens de dinheiro, branqueamento de capitais, corrupção passiva e ativa; e sempre em ações claras de delapidação do erário público ou seja do povo, da manada, a quem chupam o sangue e o mais que for preciso, atacando quase sempre em bando e não com pés de veludo, mas descaradamente.

Igualmente não poupam nada, nem ninguém, não temem, não recuam quando lhes cheira a dinheiro fresco, praticando desfalques, falências e desvios de milhões para paraísos fiscais (offshores); e têm a seu favor a vista grossa e, até, a complacência de certos poderes políticos e institucionais, num evidente carnaval de licenciosidade económico-financeira e monetária.

Ora, podíamos viver muito melhor, sermos um país, embora pequeno e sem grandes recursos, com menos ou nenhuma pobreza, com mais emprego e maior esperança no futuro; mas, para que tal acontecesse, preciso era que os milhares de milhões sonegados e desviados fossem repostos, voltassem aos bancos e aos cofres do Estado, donde foram declaradamente roubados e quem os roubou severamente punido, para exemplo de todos.
Mas, então, o que nos falta, no meio de tudo isto? Engenho e arte? Não; basta pensarmos na gesta dos Descobrimentos que nos deu, noutros tempos, um Império; e, aqui, a audácia, a determinação, a valentia, o saber e, mormente, o carácter, fatores indispensáveis foram para enfrentarmos e vencermos o desconhecido, o impossí-
vel.

Talvez, hoje, o que nos falta, efetivamente, seja a matriz, humana, patriótica, ética e cultural dos nossos avoengos; e que o espírito, autêntico e genuíno, do 25 de Abril talvez tenha querido e tentado repor, mas sem êxito; porque mais difícil do que mudar o funcionamento das instituições, é mudar a mentalidade, o carácter e a cultura dos homens.

O que nos leva a praguejar:
– Porra, afinal, os vampiros do Zeca Afonso, apenas, mudaram de carniça.
Então, até de hoje a oito.


Autor: Dinis Salgado
DM

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22 março 2017