1. Relendo a parábola do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37) assaltou-me, mais uma vez, a pergunta: porque sou cristão?
Porque sou batizado? Porque rezo o terço todos os dias? Porque vou à Missa ao domingo? Porque leio o Evangelho?
Tudo isto é bom. Tudo isto penso que devo continuar a fazer. Todavia, o que me identifica como cristão é o amor manifestado em obras. O Amor a Deus e ao próximo.
Nisto conhecerão que sois meus discípulos, disse Jesus: se vos amardes uns aos outros (João 13, 35). Se for capaz de fazer as coisas mais mirabolantes mas não tiver amor, escreveu S. Paulo, nada sou (I Coríntios 13).
Os primeiros cristãos entenderam e viveram perfeitamente isto (Atos dos Apóstolos, 2, 42-47. 4, 32-37. Bento XVI, Deus é Amor, 20-25). De tal forma que eram notados pela sociedade do tempo. Vede como eles se amam, diziam os não cristãos, como afirmou Tertuliano.
Entendendo a importância do amor na vida dos cristãos Santo Agostinho disse: «Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos» (Homilia sobre a primeira carta de S. João).
Mas atenção! Também existe amor falsificado que o confunde com egoísmo e sensualidade.
2. A prática do amor – do autêntico amor – tem as suas exigências.
A primeira, e talvez a mais importante, consiste em passar das palavras às obras. É fácil estender um olhar de compaixão para as necessidades dos outros, receitar-lhes resignação e paciência, lembrar-lhes a promessa de felicidade no outro mundo e nada fazer para que, já neste, as pessoas vivam melhor.
Assim quiseram fazer os Apóstolos dizendo a Jesus: «manda embora a multidão, para ir procurar alojamento e provisões nas aldeias e casas da vizinhança, pois aqui estamos num local deserto».
Mas Jesus não foi na onda. «Dai-lhes vós de comer», disse. E veio o milagre da multiplicação dos pães, desde que disponibilizaram o que tinham (Lucas 9, 10-17).
3. O verdadeiro amor a Deus e ao próximo andam unidos. Quem não ama o próximo não venha com cantigas dizer que ama a Deus, porque é mentira (I João 4, 20-21).
O verdadeiro amor a Deus não permite que ignoremos os problemas dos outros nem que, tendo deles conhecimento, nos mantenhamos indiferentes. Não é cristão passar ao lado, como fizeram o sacerdote e o levita da parábola que citei.
O amor ao próximo exige que aceitemos o outro como ele é. Que nele respeitemos a dignidade de pessoa humana. Que o tratemos como irmão.
4. A parábola termina com estas palavras de Jesus ao doutor da lei: «Vai e faz o mesmo também tu». Imita o comportamento do samaritano, que fez o bem sem olhar a quem.
Numa sociedade marcada pelo egoísmo, pelo salve-se quem puder, pelo «que eu esteja bem e os outros que se arranjem», nós, cristãos, somos chamados a dar o escândalo do amor ao próximo. De procurar o bem do outro.
5. Se quisermos saber onde está o próximo, basta olhar para os lados, para a frente, para trás. Não é preciso ir à janela. O próximo são todos os outros, senhoras e cavalheiros. Sejam quais forem as suas opções políticas ou credo religioso.
O próximo também são as pessoas que vivem connosco, que connosco se sentam à mesa, que nos preparam e servem as refeições, que nos ajudam a tomar banho e a calçar as meias.
Pode acontecer de ignorarmos este próximo, – de nos preocuparmos com ser atenciosos, delicados e serviçais com os de fora, – esquecidos do dever de testemunharmos o amor cristão relativamente às pessoas com quem contactamos todos os dias.
Não será altura de procurarmos ser melhores cristãos? De passarmos das palavras às obras?
Autor: Silva Araújo