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Uso da tecnologia digital e saúde mental

1. Depois de acaloradas discussões e estudos sobre se o uso frequente de tablets ou smartphones seria ou não um risco para a saúde nervosa e mental de crianças e jovens e depois da Organização Mundial de Saúde (OMS) ter classificado “os distúrbios dos videojogos como uma forma de perturbação mental quando manifestem uma falta de controle crescente ao longo de um período superior a 12 meses e se tornem dependentes e mais ou menos desinteressados da realidade”, surge agora um outro estudo, assinado por Michaeline Jensen, da Universidade da Califórnia, EUA, que vem questionar algumas conclusões um pouco apressadas que se divulgaram, afirmando que, “ao contrário da crença comum de que smartphones, tablets e outros meios de tecnologia digital estão a prejudicar a saúde mental dos adolescentes, não vimos muito apoio à ideia de que o tempo gasto com esses meios digitais on-line estejam associados a um aumento no risco de problemas de saúde mental”. Este estudo foi realizado sobre uma amostra de mais de 2.000 adolescentes, acompanhados durante duas semanas e, em seguida, sobre uma subamostra de cerca de 400 adolescentes que usavam smartphones várias vezes ao dia, aos quais foi dado acompanhamento mais intensivo. Os adolescentes que compunham o grupo tinham entre 10 e 15 anos e representavam uma população económica e racialmente diversa. O principal objectivo desse acompanhamento era testar se o tempo gasto no uso desta tecnologia digital estaria relacionado com piores resultados na saúde mental.

2. A equipa de investigadores recolhia relatos de sintomas de saúde mental dos adolescentes três vezes ao dia e ainda relatos diários do uso dessa tecnologia durante a noite. Os questionários que utilizaram foram estruturados para detectar se os adolescentes que se envolviam mais com as tecnologias digitais teriam maior probabilidade de apresentar sintomas de saúde mental posteriores; e se os problemas de saúde mental seriam mais comuns durante os dias em que eles passavam mais tempo a usar essa tecnologia digital (fosse para que fosse, para uma ampla gama de propósitos).

E, antes de iniciar esse estudo, os elementos do grupo de estudo foram informados do que a equipa entendia por “saúde mental”: “aceitar-se a si mesmo e aos outros, estar de bem com a vida, lidar saudavelmente com as emoções, relacionar-se bem…”, salientando que factores como o stresse, preocupações exageradas e ansiedade podem minar a saúde mental.

3. A conclusão a que chegaram foi que, em qualquer destas situações, o uso da tecnologia digital não se mostrou relacionado com pior estado da saúde mental. Daqui se pode deduzir, antes de mais, que se deve sempre relativizar a informação que nos vai chegando, porque a compreensão da realidade é um processo complexo e permanente... Vamos aceitando essa informação apenas como o estádio actual dos conhecimentos que há sobre a matéria e ir agindo em conformidade enquanto não surgir algo que a altere ou complete, isto é, neste momento, o que se sabe é isto

Como já há alguns meses atrás aqui tinha escrito, num artigo denominado “Novas formas de isolamento social”, não se deve demonizar o uso destas tecnologias digitais, pois elas são boas em si mesmas, embora o seu uso possa estar sujeito a exageros, como tudo na vida... Os exageros, sim, esses devem ser esclarecidos e ajudados a resolver, como é o dos casos citados pela OMS quando já ultrapassaram a linha da adaptação à realidade…

4. Uma coisa são esses casos “borderline” e outra é demonizar o uso dos citados instrumentos digitais pelas crianças e adolescentes (que hoje já não são só as crianças e adolescentes que os usam, pois já os vemos igualmente nas mãos dos adultos em todo o lado). É que, para além da sua capacidade de informação e da dimensão lúdica, eles são uma forma de ultrapassar o sentimento de solidão e de facilitar a comunicação virtual com amigos, de manter a mente ocupada e, no caso das crianças e adolescentes, uma forma de compensar a ausência dos pais, essa sim uma característica social do nosso tempo que deve merecer séria reflexão social. Nesse sentido, estes instrumentos digitais de comunicação prestam uma ajuda positiva às crianças e adolescentes. O importante aqui é a presença afectiva dos pais, até porque a função simbólica do brinquedo também é representá-los na sua ausência…

4. Portanto, o apelo principal é que os pais estejam mais presentes com os filhos. Presentes não apenas fisicamente… É o que sugere também a professora Candice Odgers, coordenadora deste estudo, quando afirma que “talvez seja a hora de os adultos pararem de discutir se os smartphones, os tablets e afins serão bons ou ruins para a saúde mental dos adolescentes e, em vez disso, comecem a descobrir maneiras de os apoiar na sua vida offline e online”. No entanto, continua a ser verdade, até demonstração em contrário, que o uso intensivo desta tecnologia digital tende a privilegiar a realidade virtual em detrimento da realidade e a poder criar riscos de dependência; mas, isso pode sempre ser compensado com maior convívio real com os amigos e participação nos seus jogos reais. E não se deve esquecer também os riscos da radiação para os olhos quando usam durante muito tempo estes aparelhos, aconselhando-se alguma moderação e iluminação adequada.

(Nota: o autor não escreve conforme o chamado Acordo Ortográfico)


Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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20 outubro 2019