Como longe vão os tempos das famílias numerosas de 10, 12 filhos; e, hoje, a crise da natalidade no nosso país é um fenómeno irresistível, mesmo longe dos efeitos nefastos da pandemia que atinge o mundo.
Então, porque adiam ou recusam a maternidade as mulheres portuguesas? Vários são os fatores que originam esta realidade e que comprometem seriamente a sustentabilidade demográfica do nosso futuro.
Mas, vamos a factos. Segundo dados recentes do Instituto Ricardo Jorge, desde os anos 70 que a maternidade tem vindo a decrescer; e, por exemplo, em 2020 apenas nasceram 84558 bebés e o primeiro trimestre de 2021 foi, de longe, o pior dos últimos sete anos com menos 2598 nascituros no que deve ter pesado a ação pandémica.
Contas feitas, nos últimos 12 anos, dizem especialistas, a mortalidade superou largamente a natalidade e com tendência a manter-se; depois, se pensarmos nos muitos milhares de mortos que a Covid-19 já provocou, então o abalo demográfico é assustador.
Mas, analisemos as causas primárias desta trágica situação:
1 – O aumento da idade média da mãe, aquando do nascimento do primeiro filho, situa-se, segundo dados da Pordata, nos 30,5 anos; e esta realidade que atinge os países mais desenvolvidos da Europa, coloca-nos em 6.º lugar atrás da Itália, da Espanha, do Luxemburgo, da Irlanda e da Grécia;
2 - Ainda o adiamento da maternidade tem em conta a acesso da mulher a meios contracetivos mais eficientes e a que não é igualmente alheia a universalidade na procura à Educação que leva a mulher a frequentar estudos superiores, obviamente permitindo-lhe a escolha de mais formação, cursos e carreiras mais prolongados; e nesta realidade insere-se a realização pessoal versus maternidade;
3 - A incerteza económica, o medo do futuro porque instável e incerto e os custos económicos e sociais com a criação de uma criança pesam demasiado na decisão de não ter ou ter cada vez mais tarde filhos; e só para termos uma ideia desta constatação, nos anos 60 o índice de fecundidade era de 3, 2, para passarmos, em 2019, para 1,42 filhos por casal.
Ora, segundo John Ruskin (crítico social britânico), na era vitoriana a casa é um lugar sagrado, um templo vestal, um templo da lareira vigiada por deuses da casa; e a família era, assim, menos uma unidade económica e mais uma unidade emocional e moral, uma casa paroquial para a formação de corações e almas.
Estes eram tempos de famílias nucleares, alargadas de sete a dez elementos: pais, filhos, avós, sogros, genros e, até, tios e primos, pois esta forma de família alargada permitia mais recursos económicos, maior socialização, mais meios de cooperação e apoio, mas a que as transformações culturais (os casamentos gays, as famílias monoparentais, as uniões de facto e os divórcios), economicistas e institucionais resultantes da era da industrialização vieram pôr cobro; e tudo isto em tempo recorde e numa dinâmica social avassaladora e inconsequente.
Pois bem, nesta perspetiva, quais os verdadeiros inimigos do aumento da natalidade? Sem dúvida a falta de creches e jardins-de-infãncia na rede pública. a ausência de medidas governamentais de promoção do papel dos pais na maternidade, a precariedade e instabilidade no emprego, a escassez de rendimentos, a insegurança profissional, a total ineficiência de apoio social às famílias, inexistência de horários de trabalho mais flexíveis e reduzidos para ambos os cônjuges e o não aumento do tempo de maternidade e de parentalidade; e, inclusive, a falta de legislação que permita à mãe a escolha de ficar maias tempo em casa, após a maternidade, por um período alargado, por exemplo, até aos três ou quatro anos do bebé, com todos os direitos laborais, económicos e sociais garantidos e, finalmente, a não existência de incentivos fiscais aos pais e empresas com trabalhadores com filhos.
Agora, uma verdade evidente: contra ventos e marés, se os governantes, empresários e dirigentes políticos têfff c nsciência absoluta destas realidades, porque tardam em se juntarem à mesma mesa e tomarem as medidas necessárias que lhes ponham cobro e, assim, contribuírem para o fim do inverno demográfico que nos ameaça? Com certeza porque andam ocupados com assuntos de lana-caprina que lhes garantem outros rumos, outros voos com mais fama e proveito garantido e mais facilidade de ação e concretização; depois, não se admirem dos perigos vários que ameaçam a democracia, devido ao desencanto, ao virar de costas e à desconfiança que o povo nutre pela política e pelos políticos.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado