Os países participantes na cimeira representam sob o ponto de vista histórico e geográfico, com a excepção parcial de Portugal, que é um país dominantemente atlântico – como também são em parte países atlânticos a Espanha e a França –, a Europa mediterrânica, herdeira histórica em primeiro grau da civilização grega e da civilização romana, interlocutora privilegiada, na paz e na guerra, dos povos e das culturas que têm ocupado as margens orientais e meridionais do Mare Nostrum, desde a Ásia Menor até ao estreito de Gibraltar, e matriz geográfica e histórica da religião que modelou toda a Europa e grande parte do mundo – o Cristianismo.
A distinção entre a Europa do Sul e a Europa do Norte tem uma secular tradição no domínio religioso, nas áreas da cultura – em particular da literatura e das artes plásticas –, no campo das instituições políticas e jurídicas e na esfera da economia. Os grandes projectos geopolíticos, religiosos, culturais, militares e económicos, concebidos e postos em prática para unificar, sob o signo de um Império, a Europa do Norte e a Europa do Sul – relembro o Império de Carlos Magno, o Império de Carlos Quinto e o Império de Napoleão – fracassaram e geraram em contrapartida, sobretudo os projectos imperiais de Carlos Quinto e de Napoleão, ódios e conflitos profundos entre povos e nações da Europa.
A oposição entre a Europa do Sul e a Europa do Norte tem sido acompanhada, sobretudo desde a segunda metade do século XVIII, pela oposição entre a Europa Ocidental e a Europa Oriental, configurando-se a Europa eslava como uma terceira força geopolítica, civilizacional e militar, a disputar o poder hegemónico no Velho Continente. Entre a Europa Ocidental e a Europa Oriental ficou «entalada» a Europa Central, conjunto volátil de países que o falhado Império Austro-Húngaro não conseguiu estabilizar e que contou com uma relevante presença política, religiosa e militar, desde o século XVI, do Império Otomano.
Após a Segunda Guerra Mundial, com a constituição do Império Soviético, a oposição entre a Europa Ocidental e a Europa Oriental tornou-se o fulcro da política europeia (e, obviamente, da política mundial). A constituição gradual da União Europeia, projecto de cooperação política, económica e cultural, conseguiu o milagre de tornar parceiros da União países da Europa do Sul e da Europa do Norte e, após a desagregação do Império soviético, países da Europa Central.
Depois de séculos de conflitos e de guerras, a velha Europa, sem perda da identidade das línguas, das culturas e das tradições dos seus povos, parecia ter alcançado uma unidade política, económica e financeira, que a tornaria um dos actores decisivos da cena internacional, ao lado dos Estados Unidos da América, da Rússia e da China.
Nos últimos anos, todavia, factores endógenos e exógenos têm suscitado e alimentado dúvidas e interrogações sobre a solidez e a perdurabilidade desta nova Europa. A necessidade de reunir cimeiras políticas como a dos países da Europa do Sul é um sinal de alerta. A saída do Reino Unido da União Europeia, votada democraticamente em referendo, abre um período de inquietante incerteza. Os movimentos independentistas intranacionais, com força crescente na Espanha, na Itália, no Reino Unido e na Bélgica, são uma caixa de Pandora. Os velhos demónios dos nacionalismos europeus estão a despertar…
O autor não escreve segundo o chamado «acordo ortográfico»
Autor: Vítor Aguiar e Silva