–, não tardam em proliferar análises em torno da obsolescência do nosso sistema eleitoral, da falta de incentivos – económicos e não só – para a atracção dos melhores quadros da sociedade civil para os corredores da política, ou mesmo até da pretensa instabilidade suscitada pelo complexo mecanismos de freios e contrapesos subjacente ao modelo semi-presidencial de Governo em que assenta a nossa arquitectura político-institucional.
Todavia, raras são as vezes em que a tónica da discussão é colocada numa questão absolutamente fulcral para o regular funcionamento de uma democracia que encontra nos Partidos Políticos as suas primaciais traves-mestras; a qual se prende, inapelavelmente, com a democraticidade da lógica procedimental interno-estatutária deste tipo de estruturas.
2 – A questão pode parecer de somenos e de residual interesse para aqueles que se não inscrevam no restrito – e cada vez menos sedutor – universo da política partidária. É que, juridicamente falando, os Partidos configuram-se, em primeira linha, como associações de natureza privada; presidindo-lhes, por isso, a necessária – e diríamos até desejável – autonomia na ordenação da sua vida interna. De resto, convém não esquecer que a liberdade associativa (e muito particularmente, a liberdade associativa partidária) se assumiu, precisamente, como uma das mais prementes reivindicações do nosso povo durante as longas e negras décadas que antecederam a revolução político-militar de Abril de 1974.
3 – Sucede, porém, que os Partidos Políticos encerram características que extravasam, em larga medida, os contornos da generalidade das associações privadas, pois que, contrariamente a estas últimas, o legislador constitucional lhes cometeu um papel de especial destaque nos planos da intervenção política e da expressão da vontade popular, ao ponto de, ainda hoje, lhes ser reservado o monopólio da representação parlamentar no quadro do nosso sistema político-eleitoral. Daí a imposição jurídico-constitucional de que estas estruturas se rejam, na sua organização e funcionamento internos, pelos princípios da transparência e da organização e gestão democráticas, com a participação de todos os seus membros, obedecendo a quesitos tais como a formação da vontade partidária a partir das bases; a tomada de decisões segundo a lógica do princípio maioritário; ou a realização de eleições periódicas para a selecção dos titulares dos cargos dirigentes, por sufrágio secreto.
4 – Com efeito, incompreensível seria se assim não fosse, na medida em que, como tão bem dilucida Vítor Matos (Os Predadores: Tudo o que os políticos fazem para conquistar o poder, Lisboa, Clube do Autor, 2015, pp. 204-205), “a legitimidade política conferida pelos Partidos aos seus dirigentes precede a apresentação dos candidatos ao voto popular e universal”, já que “é através da influência e ascensão no aparelho partidário que os candidatos são depois escolhidos para concorrer a eleições legislativas ou autárquicas”. Razão pela qual a eventual distorção das regras do nobre jogo democrático, no seio destas formas particularmente importantes de associação política (v.g., mediante o recurso a práticas como coacção física e/ou moral de opositores ou a viciação de actos eleitorais internos, com apelo aos mais sofisticados métodos de caciquismo e galopinagem) resultará, irremediavelmente, na corrosão dos próprios pilares da democracia tal e qual a conhecemos.
5 – Urge, portanto, que tenhamos o discernimento e a hombridade necessários para encarar a temática da democraticidade intra-partidária como uma questão de somais. Sob pena de continuarmos, alegre e negligentemente, a assistir à conversão das sucessivas estruturas orgânicas dos principais Partidos nacionais em micro-ditaduras de bairro, de município ou de região. E, pior ainda, à redução dos corredores do poder a uma sórdida «passadeira da fama», reservada aos micro-tiranos, caciques e galopins que ali mais se destacarem.
Autor: Joel A. Alves