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Uma questão de princípio

No passado dia 23 de Março, o PSD entregou no parlamento um projecto de resolução em que se pede ao Governo que proíba a entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) no capital do Montepio Geral (MG), de acordo com a posição que publicamente manifestou contra tal operação. Embora os projectos de resolução não possuam força de lei, pois representam meras recomendações ao Governo, certo é que marcam uma posição de princípio de quem os apresenta e que, se votados favoravelmente, ganham uma enorme força persuasiva que dificilmente o executivo se atreve a contrariar. Daí que, em teoria, não possa subestimar-se o valor político da iniciativa em causa, apesar de, entretanto, se haverem alterado as circunstâncias e condições de uma provável entrada da SCML no capital daquela instituição bancária. Na verdade, depois das fortes críticas da opinião pública, provindas quer da área da política quer da sociedade civil, em relação ao anúncio da pretensa solução de aplicação de duzentos milhões de euros na aquisição de 10% do MG, foi admitido pelo actual Provedor da SCML, na linha, aliás, do seu antecessor, que o negócio em causa só seria concretizado depois de conhecido o relatório de uma avaliação independente contratada por esta instituição. Soube-se posteriormente que a entidade avaliadora escolhida – o Banco Haitong – não apresentou o resultado da avaliação dentro do prazo estipulado, sob a alegação da recusa, por parte do presidente da Associação Mutualista (AM) proprietária do MG, Tomás Correia, da prestação de informação completa necessária para o efeito. Aconteceu também que a mesma AM, fazendo uso de um artifício fiscal, com suporte legal em normas internacionais de contabilidade e com a anuência do Ministério das Finanças, acabou por receber um bónus em créditos fiscais, com reflexos nas contas futuras, de 808,6 milhões de euros, conseguindo passar de uma posição de capitais próprios negativos da ordem dos 251 milhões de euros, em 2016, para 510 milhões positivos, em 2017, apesar de, para tanto, haver prescindido da isenção de que beneficiava em sede de IRC. Ou seja, este passe de magia, desobrigando embora o MG da onerosa imposição de repor mais de duzentos milhões de capital, traduziu-se na perda do imenso benefício de isenção fiscal. Por explicar, continuam as imparidades contabilísticas no montante de 233,4 milhões de euros, como estão ainda por conhecer as decisões de pelo menos quatro processos-crime em que é arguido o citado presidente da AM, relativamente ao período em que foi presidente do MG. E da dita avaliação independente continua a nada saber-se. Foi neste enquadramento que ocorreu uma mudança súbita da estratégia delineada, não obstante a má situação financeira real do MG não tenha conhecido qualquer alteração. Assim, o Provedor da SCML passou agora a admitir que o investimento máximo que está disposto a fazer é de apenas 20 ou 30 milhões de euros, tendo até a assembleia geral da AM deliberado já alienar até 2% do seu capital. E para melhor compor o ramalhete, pediram a colaboração simbólica a outras Santas Casas da Misericórdia, entre as quais a do Porto, que sendo instituições particulares de solidariedade social, diferentemente da de Lisboa, que é pública, podem contribuir para reforçar a ideia de atribuir um papel mais importante na economia social ao MG, em contradição flagrante com a decisão por este tomada de abdicar da isenção fiscal acima referida. Para consolidar esta estratégia, foi convidado para presidir à assembleia-geral do MG o Senhor Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP) que, entretanto, foi escolhido pelo presidente do PSD, Rui Rio, para coordenador e porta-voz do Conselho Estratégico Nacional (espécie de Governo-sombra) para a área social. Ora, com o devido respeito – e é aqui que a porca torce o rabo… –, ainda que simbólica e de proveniência particular, a quantia de € 10.000,00 com que a SCMP entrará para o capital do MG, segundo confirmação do seu Provedor, representa, em todo o caso, um valor estatutariamente comprometido com funções essencialmente sociais e cuja gestão tem de ser salvaguardada de duvidosas aplicações financeiras. A isto acresce que, pelo importante lugar partidário que ocupa, tem o mesmo Provedor de manter uma autoridade moral e um comportamento ético exemplares, o que, manifestamente, não parece compatível com um exercício de um cargo no Montepio que, apesar de tudo, é pago e com uma atitude que põe em causa a posição oficial do seu partido, subjacente ao mencionado projecto de resolução. A não ser que este projecto pretenda simplesmente camuflar qualquer entendimento neste assunto com o partido do Governo. A ver vamos. Seja como for, em matéria de princípios, não pode haver meio termo!
Autor: António Brochado Pedras
DM

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6 abril 2018