A Democracia, tal como a conhecemos e vivenciamos, merece que olhemos para a sua definição e saibamos interpretar os seus desafios num momento tão exigente como este. Uma das suas principais armas – Liberdade de Expressão – há muito que está de malas aviadas para uma espécie de arame sem rede, arrastando a sua génese para uma emaranhada teia de conflitos de interesses nem sempre transparentes. É num contexto moribundo e pouco recomendável, que se desenham soluções milagrosas para o jornalismo, como se alguns milhões de euros em publicidade, resolva alguma coisa a um problema que é estrutural e indubitavelmente ligado à forma como os portugueses se revêm na comunicação Social. Da sede de informação credível, que alimentava jornais de manhã e à tarde, passou-se para uma alegada democratização do acesso à informação com a sua globalização a tornar-se uma arma de dois gumes. Se é verdade que as alternativas, sobretudo aos jornais e rádios, fazem parte de um mundo novo que se tem perfilado como impulsionador de mudança para a forma como comunicamos e para os canais que usamos, não é menos verdade, que os instrumentos clássicos continuam a merecer uma validação crítica dos cidadãos. Enquanto os portugueses continuarem a rejeitar a leitura de jornais ou a pagá-los, não se consciencializarem que a sua noção de Democracia e de Liberdade, está intrinsecamente ligada à capacidade do jornalismo de escrutinar, em condições de Liberdade, os pilares do Estado de Direito, será muito difícil preservar a integridade que muitos (cada vez menos) e bem teimam em defender. O que nos leva ao âmago da questão: devem ou não as condições ao seu exercício ser uma questão de Estado, não de Mercado? Estou convicto de que se não formos capazes de perceber isto, então não percebemos o que é verdadeiramente a Democracia e o que ela significa, hoje, mais do que ontem. Será bom que os cidadãos reflitam sobre os pilares que ajudaram a refundar há 46 anos, o país que somos, pois os tempos que vivemos e os ventos que sopram do atlântico ou do Norte da Europa, não abonam nada de bom para o entendimento comum que temos sobre a Verdade e o que ela significa para a nossa vida, seja qual for a dimensão. A resposta que todos termos de dar não se resolve com pozinhos mágicos, mas sim com a assunção de que a Democracia tem um preço e que todos temos de partilhar os custos e os riscos, começando por acarinhar aqueles que nos permitem viver segundo regras de transparência, fator fundamental para a o exercício integro da cidadania e do Estado de Direito. Sendo um problema estrutural, como disse, desconheço até hoje a existência de um plano que permita dar continuidade, por exemplo, aos planos para a criação de hábitos de leitura que acabam por se perder, a partir do momento que os mais novos, se apercebem que os jornais não são fundamentais para se movimentarem no mercado de oportunidades. A Escola, desde a primária à Universidade, constitui o eixo fundamental para alicerçarmos um entendimento sobre a validade de um recurso que é cada vez mais limitado. É verdade também, que a comunicação social, e em particular os jornais, têm de repensar o seu estilo, o seu modo, a sua escrita, de forma a que se estabeleça um elo de comunicação baseado, não só, no rigor e na isenção, como na necessidade de se aliar o produto notícia à utilidade do serviço. Responder às necessidades dos leitores, seja através da abertura a novas linguagens, a novos códigos, ao consumo de informação útil e passageira, é crucial para que se estabeleça uma relação de confiança que vale apena consumir e consolidar. Por sua vez, o (a) leitor (a) pode pensar que sim, que este pode ser um caminho, mas se não tiver consciência do papel do Estado – de que faz parte – tudo não passará de um fogacho temporário e inútil. Entendo que chegou a hora da classe política consagrar de forma irrevogável, uma norma para o Orçamento de Estado que, independentemente da vontade de quem governa, apoia e sustenta um setor que, a cada dia que passa, fica mais pobre; um custo a bem da Democracia e da Liberdade que agora comemoramos.
Autor: Paulo Sousa
Uma questão de Estado

DM
28 abril 2020