Num breve período de descanso, revisito o texto da autoria do renomado crítico,escritorejornalistalisboeta Miguel Esteves Cardoso: – “Braga é fantástico. Às vezes, fica-se com a impressão que é Braga que deveria mandar neste país…A primeira vez que fui a Braga já estava à espera de encontrar uma cidade grande e diferente de todas as outras. Mas fiquei siderado. Acho que Braga se dá a conhecer a quem lá entra, sem receios ou desejos de impressionar.
A primeira impressão foi a modernidade de Braga - pareceu-me Portugal, mas no futuro. E num futuro feliz... O problema da ansiedade não existe. Braga tem tudo. Passa bem sem nós. Mas nós é que não passamos sem ela.
É por ser de Braga. É uma coisa que, infelizmente, nem todos nós podemos ser.
Fique então apenas a gentileza de ficar aqui dito de ter pena de não ser”.
Quando li pela primeira vez exte texto, publicado na Revista J de 4 de outubro de 20o9, a humildade de bracarense levou-me a rebatê-lo, não é tanto assim, dizia para mim, mas não consegui, quando se trata da minha cidade e dos meus filhos não consigo ser modesto. Agora que o releio, mantenho o meu sentimento de orgulho.
Tudo isto só foi possível após a consagração na Constituição de 1976 da autonomia local como “princípio fundamental” (art. 6.°, n.º1), afirmando-se o princípio da subsidiariedade, autonomia essa reforçada na Revisão Constitucional de 1982, passando a decorrer de forma expressa que a tutela sobre as autarquias locais se limita à verificação do cumprimento da lei e estando os atos dos órgãos autárquicos subtraídos a qualquer controle de mérito (art. 242º, nº 1).
Neste contexto, foi com perplexidade que tive conhecimento que o Estado, no caso, o Parlamento, aprovou o textode substituição da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto que pede ao Governo que tome as “diligências necessárias para que o processo de classificação patrimonial do edifício da antiga Fábrica de Saboaria e Perfumaria Confiança seja concluído com celeridade” e que nenhum deputado da Assembleia da República defendeu a venda do edifício histórico a privados.No mesmo mês de Julho ficou a saber-se que o Estado, neste caso o Governo, colocou o Recolhimento das Convertidas na lista de edifícios da sua propriedade que devem ser rentabilizados, transformando-o em alojamento com renda acessível.
No centro da decisão parlamentar está a intenção da Câmara em alienar a fábrica confiança a privados, possivelmente para que efetue a construção de alojamentos, que, pela sua proximidade à Universidade de Minho, pode bem servir para neles residirem muitos dos universitários que a cidade anualmente acolhe.
Concluindo-se que o mesmo Estado que se presta, encapotadamente, pela via da classificação, a impor aos órgãos municipais locais a limitação ou mesmo proibição da venda da Confiança, para que nela provavelmente se construam residências, é o mesmo que pretende subvalorizar o nobre Recolhimento das Convertidas num alojamento low-cost.
A questão, assim colocada, transforma o debate em torno de conceções ideológicas, se for feito pelo Estado está bem, se for por privados já está mal. Não concordo.
Apoio como cidadão as deliberações que a Assembleia e a Câmara Municipal tomaram sobre a decisão do governo quanto às Convertidas.
Quanto à deliberação da Comissão Parlamentar, a mesma entra em confronto com o meu pensamento sobre o poder local e de regionalista que também sou, ainda que defendendo um modelo de “Regiões Associativas”, criado Botton – Up, a partir da agregação de municípios.
O caminho a percorrer vai no sentido do reforço das competências e atribuições do poder local, da descentralização administrativa, da autonomia local. A autonomia local significa a capacidade das autarquias prosseguirem livremente a realização das suas atribuições através dos seus órgãos e sob a sua inteira responsabilidade, sem qualquer tutela de mérito.
Acredito num modelo de smart local governance em que a cidade se desenvolve num sistema de cocriação que envolve os seus cidadãos. Mas no momento de decidir, os órgãos municipais são quem está em condições para adotar as melhores opções sobre a cidade, em quadros orçamentais exíguos.
Acredito no poder local. É uma questão de confiança.
Autor: Carlos Vilas Boas
Uma questão de confiança
DM
26 julho 2019