twitter

Uma pequena história de férias

Não precisava de olhar de lado porque a mesa deste casal ficava mesmo em frente ao meu nariz. Então vejo, com espanto, que os dois tablets não eram para os pais mas  para os dois filhos. O mais velhinho abriu-o com o à-vontade de quem trata  aquilo por tu e começa a lidar com o aparelho. Já daí eu calculo que esta geração nasceu para teclar.

Quando reparo com mais atenção vejo o mais novo, a criança de três anos, o miúdo que estava sentado na cadeirinha para poder chegar à mesa, manusear o seu tablet com uma presteza que me deixou espantado. O que os meus olhos viam era uma coisa, o que o meu pensamento pensava era quase uma interrogação constante. Este miúdo de três anos fazia com o seu dedito mexer as imagens, alargava ou encolhia-as e eu, burro velho, de boca aberta a olhar para esta criança, suspenso em mim mesmo, fiquei a matutar; não sei se perguntava para encontrar desculpa para a minha inépcia, se realmente me interrogava verdadeiramente perplexo com  a formatação do cérebro daquela criança.

O que me perguntava era como se dimensionaria aquela cabeça , perante a facilidade de não ser preciso imaginar, uma vez que tudo ali lhe aparecia concreto. Julgo que o nosso cérebro constrói esquemas mentais que resultam das relações que faz dos dados que vamos adquirindo. Ora, estes esquemas que dantes nos faziam imaginar e depois criar heróis ou vilões, que nos levavam a um mundo de fantasia, esta necessidade que tínhamos de viver um mundo sonhado, naquela criança desapareceria? Julgo assim porque aquele miúdo apenas precisava de aprender a tocar nos botões de comando do tablet.

Como poderá um cérebro destes, imaginar, sonhar ou criar outros mundos, se o concreto estava ali, ao alcance dum dedinho? Será que o concreto mata o imaginário? Julgo que o cérebro em formação é como a natureza: por mais catástrofes que aconteçam sempre terá forças para revigorar. Especulo: se a banda desenhada não matou a imaginação da geração que a desenvolveu, usou ou abusou, então por que razão a imagem tecnológica pode matá-la neste miúdo? Não sei a resposta.

Paro para voltar a reparar: a mãe daquele miúdo já não lhe mete a comida na boca contando-lhe histórias ou fingindo que a colher é o avião que vai entrar na sua boquinha. O miúdo está tão entretido com os bonecos que vê no seu tablet que abre e fecha a boca num automatismo de ato contínuo. Lá se foram as histórias do lobo mau ou do capuchinho vermelho para meter de comer aos meninos sem fome! Agora que a mãe limpa a boca do filho o “espetáculo” acabou. Fico-me a pensar, como me parece espúria a discussão entre Descartes e A. Damásio, a respeito das sensações e da verdade pura!

Seria despropositado enquadrarmos as sensações experimentadas por esta criança perante a verdade pura das imagens tecnológicas que desfrutava? Dois mundos, duas verdades. Não vamos por aí, porque o que conto  é  uma história ligeira de férias que o cronista observou por acaso, num restaurante. Boas-férias para todos e até Setembro.

 

Autor: Paulo Fafe
DM

DM

31 julho 2017