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Uma metáfora futebolística para o presente europeu

Mourinhistas contra guardiolistas na política espanhola”. O nome dos dois treinadores de futebol serviu, há dias, para o jornalista Ramón Lobo identificar, em título, no diário digital espanhol InfoLibre, dois modos antagónicos de fazer política. Os guardiolistas são os que se envolvem num trabalho de fundo de regeneração da vida pública para que a próxima geração herde um país mais livre, saudável e democrático. “Este tipo de treinadores (líderes) não olha para as sondagens para descobrir o que têm de pensar e de dizer, eles entendem que o objetivo final é jogar bem, talvez perdendo alguns jogos, mas sabendo que, a seguir, se ganham campeonatos”. Os mourinhistas, esses, “seriam capazes de vender a alma para ganhar 1-0 de penálti injusto no último minuto”. O plano de jogo deles “consiste em destruir o adversário sem renunciar ao uso de todo o tipo de trapaças”. Não são raros os colunistas de jornais não desportivos espanhóis que não apreciam José Mourinho, pelo que não é invulgar ser o português o escolhido, entre os grandes treinadores, para encarnar o mal. Seja como for, fosse com que nomes fosse, percebe-se a distinção, mesmo dando-se o caso de Ramón Lobo julgar o título “um pouco exagerado”, pela razão de não haver guardiolistas na política espanhola: “pessoas capazes de apostar no longo prazo, de construir um estilo de jogo que deixe uma marca indelével na memória dos adeptos, de planear para além do curto prazo do próximo jogo”. Eloquente exemplo apontado de guardiolista é Nelson Mandela, mas, é certo, não abundam os líderes como ele. Os que medram mais facilmente, como em Itália por estes dias tensos também se vê, são políticos não propriamente recomendáveis. Na sexta-feira, no diário italiano Avvenire, num texto que é uma lição sobre o Bem comum, o economista Luigino Bruni assinalava as consequências do mal que causam. Lembrando que, hoje, os estudos empíricos sobre a felicidade nos dizem que a maioria dos bens de que depende a felicidade individual são bens públicos e bens comuns, como, por exemplo, o trabalho, a segurança, a vida familiar, a amizade, a confiança nas instituições, etc. – e em muito menor dimensão os sofás, os telemóveis ou os carros –, o economista chama a atenção para a circunstância de o que chamamos felicidade depender em parte de nós, claro, mas muitíssimo dos outros. Referindo que os bens comuns são aqueles que usamos conjuntamente – a terra, os oceanos, a atmosfera, por exemplo –, Luigino Bruni explica que o Bem comum (com B maiúsculo) também é uma espécie de bem comum (com b minúsculo). Observando que a ciência económica conhece a chamada tragédia dos bens comuns, o colunista do Avvenire afirma que dela emerge “uma mensagem clara e exigente”: se cada um dos usuários de um bem comum – um pasto de montanha, um parque ou um empreendimento –, for motivado apenas pela satisfação do seu interesse privado, o bem comum pode facilmente ser destruído. Para o conservar e administrar, é prescrita “uma lógica diferente, a ‘lógica do nós’, susceptível de transformar esse ‘bem que não pertence a ninguém’ num ‘bem que pertence a todos’. Salvamos os bens comuns e o Bem comum quando lhes atribuímos um valor maior do que aos interesses privados”. O problema, aponta Luigino Bruni, é que, durante a crise, a consciência do “nós” desaparece. O “eu” fica tão hipertrofiado que impede de ver o “nós”. Sendo o Bem comum ainda mais radical do que os bens comuns, por ser um bem feito de relações, uma forma especial de bem relacional, porque são os relacionamentos entre pessoas a constituírem o bem, a quebra de relacionamentos provoca inevitavelmente um mal comum. O economista insta a evitá-lo, cultivando e preservando uma amizade civil, a que o Iluminismo chamou fraternidade. Também as instituições, nacionais e internacionais, também a União Europeia, “são formas de bens comuns, sujeitas à possibilidade de tragédia e, portanto, a serem destruídas, se cada um agir apenas para tratar daquilo que é o interesse próprio”. Lembra Luigino Bruni que “as gerações passadas foram capazes de ver as razões do ‘nós’ subjacente às do ‘eu’, também por causa das experiências ainda muito vivas das grandes dores geradas pela absolutização dos interesses partidários”. Agora, acrescenta, impõe-se que reaprendamos as “razões do ‘nós’”. O Bem comum, todavia, não existirá se, para satisfação dos adeptos, houver conversa de treta em excesso, suborno de jogadores, intimidação e violência, viciação das arbitragens – e os procedimentos políticos que se sabem.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

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3 junho 2018