"Estou a pensar numa ‘Liga das Ligas da Europa’, que junte todos os movimentos livres e soberanos que querem defender os seus povos e as suas fronteiras, as suas fábricas e o bem-estar dos seus filhos"– bradou Matteo Salvini, líder do partido nacionalista de extrema-direita ‘Liga’, e vice-primeiro ministro e ministro do interior italiano, em coligação com o populista Movimento 5 Estrelas. Isto significa que Salvini pretende constituir uma Liga europeia, não só contra refugiados e imigrantes, mas também antieuropeísta.
1. O primeiro sintoma de grave perigo está nessa aliança entre o governo de Itália, da Áustria e do representante da Baviera (o ministro do interior Horst Seehofer, da CSU)no governo alemão (quase levou à queda da coligação SPD/CDU liderada pela chanceler Merkel); ora, essa frente Roma-Viena-Baviera é de muito má memória: foi nesse cenário que, no século passado, surgiram o nazismo e os fascismos que semearam o terror e o horror que devastaram a Europa. É uma frente populista e antieuropeia, que deixa agora de ser minoritária e pode influenciar negativamente o rumo da União Europeia (UE).
Salvini não esconde os seus propósitos, ao clamar: "Só se as ideias da Liga chegarem a França, Alemanha, Espanha, Polónia, Áustria, Hungria, Dinamarca ou Portugal, esta Europa terá a esperança de existir", querendo assim "dar voz" a todos quantos estão decepcionados com as políticas europeias. O que se quer esconder com tais roupagens dissimuladoras é outra coisa: apesar da crise que atravessa a UE e dos problemas que a construção europeia enfrenta para uma maior integração, é a prática de vários dos governos dos Estados-membros que é deplorável: alguns deles infringem princípios básicos do Estado de direito, mormente no que se refere à separação dos poderes, ou neles grassa a chaga pestilenta da corrupção, ou alimentam os mais soezes populismos, ou as instituições judiciais não funcionam devidamente (quantas vezes, objecto de intervenção do Tribunal Europeu), ou contraem dívidas públicas colossais e, nalguns deles, o Estado está até capturado por afrontosos interesses privados (blindados com indemnizações astronómicas para evitar reversões contratuais). Em suma: se a democracia nas várias instâncias da UE carece de maior legitimação, a dos Estados-membros não é menos deficitária em transparência, legitimação e verdade.
Hoje é mais necessário que nunca ser iluministana Europa, pondo em dúvida propostas fáceis e falaciosas, rejeitando posições onde campeia a intolerância e a emotividade, e reflectindo muito sobre o que foi a “odisseia europeia” nas últimas seis décadas. O terramoto político que se antevê é o da fragmentação da Europa, dividindo entre os que querem “mais Europa” e os que a querem destruir – acalentados a Ocidente e a Oriente pelas aleivosias de Trump e Putin –, pondo termo a décadas de paz e de bem-estar que os europeus agora usufruem, que nunca fruíram no passado, e que atrai tantos que procuram Europa como terra de eleição e de refúgio.
2. Outro grave perigo é o interminável afluxo das migrações ao Velho Continente: mais que nunca a Europa vai ter que aprender a viver com este problema, quer se trate de refugiados fugindo de conflitos bélicos, ou de africanos que querem escapar à miséria e à fome. Todavia, se a Comissão Europeia e o Conselho Europeu tentam várias soluções, deparam com a inabalável oposição de alguns Estados-membros, governados por partidos fanáticos e populistas. Se no final do último Conselho Europeu houve propostas para o problema (vindas de Merkel, Macron, e outros), vimos líderes da extrema-direita, com Salvini e Viktor Orbán (Hungria) à frente, a cantarem vitória por – afinal – nada proporem e tudo obstaculizarem; o último não quer nenhum imigrante ou refugiado dentro de portas, o primeiro fecha os portos italianos aos navios em risco, que, segundo o direito marítimo vigente, deverão atracar no porto seguro mais próximo.
Ora, por mais que se queira ou não, Europa vai ter que aprender a viver com a imigração; basta atentar nos números: segundo a ONU, a população no continente africano, agora de 1,3 biliões de pessoas, irá duplicar até 2050 (chegando aos 2,5 biliões) e, no final do século, a mais de 4 biliões.
Na África subsaariana, a taxa de natalidade está entre as mais elevadas do mundo: actualmente, há sete filhos por mulher; como a poligamia não é proibida, se um homem é casado com duas mulheres, ele pode ter cerca de quinze filhos.
Um tal desequilíbrio aumentará tensões e movimentos migratórios do Sul para Norte, que só diminuirão com políticas novas e arrojadas de ajuda (sob a supervisão da UE) ao desenvolvimento nos países africanos mais pobres. É um problema tão grave quão complexo, que requer muito estudo e circunspecção; a longo prazo, a imigração é um dado estrutural crítico da Europa, e dias muito sombrios virão se a UE soçobrar a esse grave perigo.
O autor não escreve segundo o denominado acordo ortográfico
Autor: Acílio Estanqueiro Rocha