Durante a menoridade de Luís XV, o irmão mais novo do Rei D. João V de Portugal, o Infante D. Manuel, de passagem por França, assistiu à Sagração do jovem Rei, em Reims (25 de Outubro de 1722). Presume-se que tenha sido o próprio D. Manuel que trouxe a camisa da Sagração de Luís XV ao seu irmão D. João V.
Este Rei ordenou, nos primeiros anos do século XVIII, que se edificasse o Convento de Mafra que foi destinado para a Ordem Franciscana e uma imponente Basílica. Neste grandioso conjunto arquitetónico, foi igualmente incluído um Palácio Real. A primeira pedra da obra foi benzida em 1717, sendo a Basílica sagrada com grande fausto, a 22 de Outubro de 1730, dia do aniversário do Rei, em cuja cerimónia participou toda a Corte e a Família Real.
Nessa altura, os Irmãos da Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco tinham em mente tornar viável a realização da Procissão da Penitência, no caso de o Rei estar de acordo. O Rei não só aprovou como viria a contribuir financeiramente para que a mesma fosse realizada com “muita decência”. Prova disso foi ter chamado o escultor Manuel Dias, para que, além de outras 14 imagens, realizasse também a imagem de S. Luís em 1740.
Por outro lado, o ourives António Rodrigues Leão, executou a figura do sol, letreiros, coroas e ceptros de latão dourado, em virtude de ser um dos melhores ourives em prata. A preocupação do Rei foi igualmente notória no sentido de que S. Luís, Rei de França, fosse vestido como lhe competia, contribuindo com as sedas e veludos, alargando a oferta às outras imagens. O Santo Lenho, o Pálio, as capas para quem transportava o Pálio, contaram com o apoio do Rei. Gostaria de dar ênfase ao facto, de o Rei D. João V ter uma preocupação enorme para que a Procissão fosse realizada de acordo com a magnificência que desejava para tudo o que dissesse respeito à Basílica de Mafra, e especialmente à imagem de S. Luís, Rei de França, de quem, certamente seria fiel devoto. A este propósito, recordo uma frase proferida por São Luís: “eu te exorto, em primeiro lugar, a que ames o Senhor teu Deus, com todo o teu coração, porque sem isso ninguém se pode salvar”.
Face a este contexto, não era de estranhar que o rei tivesse contribuído com uma peça recebida como oferta protocolar do Rei Luís XV, trazida pelo seu irmão D. Manuel, como atesta o que se encontra escrito na margem do inventário datado de 1748, que passo a transcrever:
“Do oitavo andor [de São Luís] a camisa deste vestido é a mesma que serviu a El Rei de França Luís XV na sua Sagração; e veio enquanto se não manda outra, porque, se vier irá ser para quem deu o vestido”. É notória a vontade de D. João V em fazer coincidir tanto nas formas como nas cores, as vestes de S. Luís com as que eram utilizadas pelos Reis de França.
De salientar que, em condições normais, após a Sagração do Rei, o Arcebispo que, depois de ter tirado com uma colher de ouro o óleo da Santa Âmbula e ter misturado com o óleo do Crisma na patena do cálice de S. Remígio, executa a cerimónia da unção santa, ungindo o Rei na parte superior da cabeça, do peito e no meio das costas em ambas as espáduas e nas palmas das mãos. Seguidamente, torna-se a reconduzir a Santa Âmbula. A camisa e as luvas que tocaram a unção santa são entregues ao arcebispo para que as queime. Até aos dias de hoje, não foi possível encontrar uma explicação que justificasse o facto de a camisa ter sido poupada à destruição, pelo que se acredita na possibilidade de ter sido feita uma oferta protocolar de Luís XV a D. João V. Assim sendo, a camisa constitui um artefacto da maior raridade e interesse sob o ponto de vista histórico.
A camisa da imagem processional é de pano de linho com aplicações de rendas no colarinho e nos punhos. Possui três aberturas verticais, uma na frente de cada braço ao nível do cotovelo, todas decoradas com entremeio de renda de bilros. Concluo com uma frase de S. Luís ao seu filho: “Guarda meu filho, um coração compassivo para com os pobres, infelizes e aflitos e, quando puderes, auxilia-os e consola-os. Por todos os benefícios que te foram dados por Deus, rende-Lhe graças para te tornares digno de receber maiores”.
Autor: Maria Helena Paes