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Uma Igreja cada vez mais policêntrica

Thomas Rausch publicou um artigo na famosa revista dos jesuítas: 'Civiltà Cattolica' de 1-15 de Maio 2021 sobre os desafios que a Igreja Católica tem de enfrentar nestes tempos tão especiais. Começa por fornecer alguns dados sintomáticos. Com mil e trezentos milhões de membros, a Igreja Católica representa um pouco mais de 50% dos cristãos – 2,5 mil milhões – existentes no mundo. Os protestantes representam 37% e os ortodoxos, nas suas variantes, cerca de 12%. Entre os protestantes, as comunidades pentecostais, carismáticas ou da renovação, contam hoje com mais de 682 milhões de membros. O rosto do cristianismo mundial está a mudar. As principais igrejas europeias e norte-americanas continuam a perder membros, sobretudo na igreja católica. Na América Latina, com cerca de 425 milhões de católicos, tem havido um êxodo de dezenas de milhões para os evangélicos e pentecostais, que representam, hoje, cerca de 70% de todos os protestantes latino-americanos, baseando-se, para tal, num culto sobrenatural, emotivo, orações de cura, e pregando muitas vezes o evangelho da prosperidade. Nos Estados Unidos, os católicos desceram de 23 para20%, sendo as maiores perdas entre os jovens adultos, também denominados de geração 'não' , pela resposta negativa que dão à pergunta sobre a sua filiação religiosa. Em 1910, 65% dos católicos viviam na Europa. Hoje representam apenas 24%. Mas o mesmo se passa com os protestantes. Hoje, mais de 61% dos cristãos, cerca de 1.300 milhões vivem no sul do mundo. Em África, há um crescimento extraordinário do cristianismo: dos 9 milhões de 1900, passou-se aos cerca de 300 milhões de hoje. E segundo alguns, em 2050, haverá 1,25 mil milhões de cristãos em África, ou seja, mais que a América Latina (705 milhões) e Europa (490 milhões) juntas. Na China, apesar das dificuldades, o cristianismo continua a progredir. Os católicos oscilarão entre os 10 e os 12 milhões, mas os evangélicos pentecostais já andarão pelos 40 a 60 milhões. Alguns aventam mesmo que serão 100 milhões. O sopro renovador do Vaticano II enfrenta hoje desafios então impensáveis que minaram profundamente a credibilidade da igreja. O maior deles adveio do escândalo dos abusos sexuais sobre menores, de membros do clero que só o papa Francisco enfrentou corajosamente. Os esforços deste papa no sentido de levar a Igreja para a frente, retirando-a de uma focalização auto-referencial sobre si e os seus membros, capaz de fazer cada vez mais dos seus membros discípulos missionários que combatam os mitos da modernidade: (o individualismo, o progresso indefinido, a livre concorrência, o consumismo, o mercado sem regras) e de levar a Boa Notícia às periferias geográficas e existenciais, com atenção renovada aos pobres, aos migrantes e a todos os excluídos têm encontrado resposta positiva em muitos homens e mulheres de boa vontade, mesmo que não sejam ou se confessem praticantes de uma determinada religião. Esta abertura verifica-se também em relação ao apelo por ele feito para que a Igreja seja conhecida, não tanto por aquilo a que é contrária, mas por aquilo propõe positivamente. Ou seja, uma Igreja mais capaz de construir pontes, e menos focada em demarcar-se e marcar linhas vermelhas. Como já notou John Allen em 2009, a Igreja do futuro terá um rosto bastante diferente do de hoje. Não será tão ocidental, branca e rica, mas será mais conservadora em questões sexuais, mais liberal em temas de justiça social; contrária à guerra, favorável às Nações Unidas; desconfiada do capitalismo de livre mercado; mais bíblica e evangélica no enfrentar as questões culturais; mais atenta à própria forte identidade católica frente ao pluralismo religioso. A Igreja do futuro será mais jovem, mais optimista, mais aberta à prática religiosa indígena. Será uma igreja mais policêntrica do que eurocêntrica, com maior autoridade magisterial concedida às conferências episcopais nacionais e regionais, e em que todo o povo de Deus seja convocado a dar cada vez mais o seu contributo . Uma igreja mais sinodal, isto é, que caminha em conjunto, que resiste à tentação de governar de modo hierárquico e vertical. No contexto de pluralidade de culturas, a sinodalidade terá um papel cada vez mais importante, favorecendo a variedade na teologia, na liturgia e na prática pastoral. A Igreja deverá esforçar-se mais por ser inclusiva em relação aos que são diferentes e pensam e actuam de maneira diferente. Os sínodos dos bispos terão um papel cada vez mais importante, pois não é fácil convocar um novo concílio ecuménico onde participem os 5.600 bispos com que conta actualmente.
Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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22 maio 2021