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Uma história da minha Vida

Peço licença a Dinis Salgado para fazer uma “adenda” ao seu “Nortadas: Filhos duma pátria menor”, publicado na página dois do D.M. de 24 do corrente mês de Abril. É um artigo meu que escrevi há tempos, sem destino, só para fazer mais uma vez um pouco/muito de catarse das sequelas que me acompanham enquanto a lucidez mo permitir. Começo por citar a segunda quadra do poema “Fala do Homem nascido”, de António Gedeão: “Só quero o que me é devido / Por me trazerem aqui / Que eu nem sequer fui ouvido / No acto de que nasci.” Trocado por miúdos, quer dizer que eu não fui ouvido para vir ver a luz deste mundo. Os meus pais terão por ventura decidido dar Vida a mais um ser (o terceiro de sete); e a rifa saiu-me a mim nessa altura. Estávamos (eu comecei a “estar”) no terceiro ano da década de 1940; o que, trocado por mais miúdos, fez com que eu entrasse na casa da minha vintena de anos na década de 1960. E que a História do nosso país começasse a viver a guerra eufemisticamente chamada guerra em África, um pouco mais “soft” designada guerra do Ultramar, porque talvez modernamente dizer guerra colonial seja um crime de lesa democracia. Ora eu nessa altura tinha dois pés que se moviam por baixo, como suporte, de duas pernas que se moviam normalmente; assim como dois braços que terminavam em duas mãos normais a encimar um tronco também normal; e tudo isto como suporte de uma cabeça que era normal tanto exterior como interiormente; pelo menos fui “bem feito”, o que não sucedeu na totalidade dos sete. Diga-se em abono da verdade e de um amor paternal que eu aceito e no qual acredito piamente, que a intenção terá sido sempre a mesma e a melhor! Tudo isto para dizer que, com o atrás referido, fui bater com o costado em Angola durante vinte e sete meses, algures errante pelo mato e pelas matas, por pontos que nem sequer no mapa que tenho são assinalados. E tal sucedeu porque eu tinha as pernas demasiadamente curtas para dar o salto por montes e vales daqui até às Franças! Houve o cuidado de nos prepararem para a guerra com tal empenho, que não cabia (ou não queriam, não interessava!) prepararem-nos para a paz na Vida a viver após o regresso; passavam um pano limpo, cheio de marcas (das) passadas na chamada comissão (com comichão) de serviço. Cuidado levado ao cúmulo de, calhando, a preparação decorrer sob os rigores de um Inverno transmontano para a missão a desempenhar sob o clima tropical daquelas terras africanas. Se, como eu já ouvi dizer, não formos nós a escrever as nossas memórias dessa época, não serão os outros a fazê-lo por nós. (Até porque não sabem e/ou não querem fazê-lo com as linhas mais as cores reais da História desses tempos.) Quanto mais não seja para honrar a memória daqueles que por lá ficaram ou vieram trazidos por outrem, sem Vida, tendo-se chegado ao ponto de o interior não coincidir com o que vinha exterior e oficialmente indicado, facto passado não se faz minimamente a ideia quantas vezes de o conteúdo ser “instead of”: a “sua noiva Amélia (…) em sua memória tinha enterrado um caixão sem corpo”; In “Um amor em tempos de guerra”, de Júlio Magalhães, na contracapa. Também isto ajudaria a dar pano para mangas tão compridas saídas do tecido camuflado de uma máquina a produzi-lo vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, incessantemente.
Autor: Bernardino Luís Costa
DM

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1 maio 2019