O autor destas linhas é o filho número oito dum total de nove irmãos. Foi educado, desde que se lembra, na fé cristã, porque seus pais eram fiéis convictos e tinham, como coroa de glória da sua união matrimonial, “ajudado” a Deus, que os criou, a dar origem a nove almas para um dia, quando Ele quisesse e do modo que entendesse, levá-las para o reino dos Céus.
Felizmente, dentro de uma economia muito moderada, nunca passou fome e sempre teve, mais por parte da sua mãe do que do seu pai, a ideia clara e nítida que não devia fazer despesas supérfluas. As coisas, em casa, viviam-se com certo rigor de poupança, nunca faltando, porém, o necessário e, sempre que possível, algum extraordinário gastronómico dava uma alegria especial à vida de família. Contudo, o autor destas linhas, também aprendeu, de forma óbvia e natural, que quando uma guloseima aparecia na mesa, cada um, a começar pela mãe e pelo pai, tirava um bocado da mesma, sempre tendo em conta que havia mais dez bocas que a desejavam com o mesmo ardor.
Por isso, se eu me excedia no corte, por exemplo, da fatia dum bolo que a minha progenitora preparava ou o seu marido trazia, do Porto, para alegrar algum evento familiar, imediatamente aprendia, de um modo profundamente pedagógico e elucidativo, que pensava demais em mim e esquecia os outros. Todos os lesados pela minha gula – mais do que pelo meu apetite – me prendavam com ditos oportunos e adequados, desde o “egoísta”, ao “super-guloso”, “só pensas em ti”, “glutão nojento”, etc. Este último apodo surpreendeu-me, porque não sabia o seu significado. Como tinha, porém, sido dito dum modo muito vibrante, creio que não foi preciso ir ao dicionário para o perceber. Tanto mais – como oitavo dos irmãos era habitualmente dos últimos a servir-me –, que a minha mãe, uma excelente educadora, pegou no meu prato de sobremesa e o de uma das minhas irmãs, pô-los à minha consideração, com um certo recato para não me humilhar em público, e a conclusão a que eu cheguei não foi difícil de extrair. A minha fatia superava o dobro da outra fatia...
Já quando a festa da mesa tinha acabado, chamaram-me os meus pais. Deram-me o ralhete inevitável pela feia gulodice, explicando que o bolo era para todos e não apenas para mim, pelo que devia ser mais moderado. Eu concordava e pedia desculpa, prometendo (vamos lá saber com que grau de sinceridade!) que me emendaria... A mãe sempre acrescentava: “É preciso pensar nos outros e não apenas em nós… Lembra-te que Jesus, para que tu possas ir para o Céu, não se importou de morrer na Cruz e deu-te a Sua Mãe como tua Mãe”. E quando eu, envergonhado e não sei se de facto arrependido, pedia licença para me ir embora, aparecia o resto do bolo do almoço que tinha sobrado: uma pequena fatia, que o meu pai me entregava, segredando: “Come-a, que te saiba bem e não digas que vens daqui... No Céu, Nossa Senhora ficará muito satisfeita por ver-te comê-la. Força!”
Meus pais tinham o condão de gostar de cada um dos filhos, de acordo com as suas características próprias. Tiveram muito trabalho para nos educar a todos. Passaram por momentos difíceis, sob o ponto de vista económico, mormente a minha mãe, que enviuvou relativamente cedo, quando ainda alguns filhos – como eu – não tinham atingido a autonomia de vida. Neste ano, de certeza que no Céu, viram entrar duas das suas raparigas. Com que alegria as terão recebido e com que expectativa não aguardarão os sete que ainda aqui estão, até o Senhor os chamar…
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A mãe sempre acrescentava: “É preciso pensar nos outros e não apenas em nós… Lembra-te que Jesus, para que tu possas ir para o Céu, não se importou de morrer na Cruz e deu-te a Sua Mãe como tua Mãe”.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva