«Se quiséssemos de verdade – previne Valter Hugo Mãe –, poderíamos ser muito melhores». E o «mínimo que poderíamos fazer seria agradecer».
Para tal, não necessitávamos de muitas embalagens para despejar nem de muitos embrulhos para abrir.
É claro que tudo isto faz as delícias dos mais pequenos. E nem sequer costuma entediar os mais crescidos.
Sempre pode haver um significado inesquecível em cada significante, por mais desinteressante que pareça.
Por esta altura, é enternecedor ver a cortesia aprumada de quem oferece. E sentir a gentileza emocionada de quem recebe.
Mais do que a utilidade que uma peça possa ter, o que avulta é a lembrança de quem a entregamos.
No entanto, o que precisamos de abrir não são os pacotes de recordações, mas as «avenidas» do coração.
Em cada prenda, vai o coração de quem dá para o coração de quem aceita. Este, ao olhar para o objecto dado, consegue «ver» a pessoa que o deu.
Enfim, os presentes «sabem» sempre bem. Mas não há dúvida de que o melhor presente é o presente da presença.
Como percebeu Zygmunt Bauman, «a solidão é a maior ameaça», pelo que que a maior carência será a presença.
Alegamos que não temos tempo. Mas, mais do que de tempo, é provável que sejamos todos «órfãos» de disponibilidade.
Corremos tanto de lugar para lugar, vazamos tão apressadamente pacotes intermináveis de presentes que nem damos conta de que terá faltado aquele sorriso, aquele abraço, aquela escuta. Que – quem sabe – até poderiam ter sido os últimos.
Satisfazemo-nos com o cumprimento de um ritual, quando a prioridade era que o afecto da presença se tornasse habitual.
Ainda bem que existe o Natal para nos tornar um pouco mais humanos e sensíveis. E talvez um pouco menos gelados e indiferentes.
É por isso que o Natal deveria ser um «hoje» sem «amanhã». O Natal nunca deveria passar e nós nunca deveríamos passar pelo Natal apenas a correr e a comer, a comprar e a entregar.
Só que, ao contrário do que sugere a mais célebre melodia natalícia – «all is calm, all is bright» –, nem tudo está calmo, nem tudo é brilhante.
Ainda há muitos atropelos na vida e demasiadas sombras nos corações.
Mas, como poetou Marília Garcia, «se a gente prestar atenção e fizer silêncio, pode ser que ouça alguma mensagem perdida no ar».
Nestes tempos sem tempo – em que dizemos quase tudo e não ouvimos quase nada –, é hora de começar a ouvir tantas mensagens perdidas.
E terá chegado o momento de estar ao lado de tantas pessoas abandonadas!
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira