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Um património formativo

A Bíblia não é apenas a gramática ou a chave de leitura da nossa civilização, não se reduz a uma escola de interpretação do património cultural da humanidade. É também “um serviço educativo que ensina a reescrever a história e a aprender dela” (A. Santos Vaz, “A Bíblia, património cultural e formativo”, in Communio XXIII [2006/4], p. 449), um instrumento pedagógico de grande utilidade, um “manual de instruções” no processo da educação e formação das novas gerações.

Da sua carga formativa e importância pedagógica nos dá conta o próprio texto bíblico, ao afirmar que “toda a Escritura é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e esteja preparado para toda a obra boa” (2 Tm 3, 16-17).

Uma formação que dê centralidade “à leitura das grandes narrações bíblicas, tornando conhecidas as suas personagens (Abraão, Isaac e Jacob, Moisés, Gedeão, Sansão, David, Salomão, Elias, Isaías e Jeremias, Jesus, Maria, João, Pedro, Paulo...), levaria o formando a perceber, por um lado, que a Bíblia, como a vida, não é um livro de histórias edificantes e, por outro, que as suas personagens corporizam um plano histórico que preconiza o bem para a humanidade inteira e ensina a esquivar o mal que determinadas personagens cometeram. Na Bíblia, temos histórias de vida examinada, de vida criticada, de vida depurada, de vida explicada, de vida sublimada, de vida amadurecida, de vida tornada inspiração para outras vidas, de vida transformada em linguagem para, através desta, ser partilhada. A vivência forte das personagens bíblicas dá intensidade à vida e vigor à história dos educandos” (A. Santos Vaz, a. c., p. 451).

No processo educativo, a Bíblia gera elevação e humanidade, ajuda a esbater preconceitos e incompreensões, na medida em que favorece “um melhor conhecimento do património comum de humanidade e dignidade que a todos pode unir” (A. Santos Vaz, a. c., p. 451). Esse e outros motivos estarão na base da afirmação de Miguel Ângelo: “tão grande é a minha veneração pela Bíblia que, quanto mais cedo meus filhos começarem a lê-la, tanto mais confiado espero que eles serão cidadãos úteis à pátria e membros respeitáveis da sociedade. Há muitos anos que adoto o hábito de ler a Bíblia toda, uma vez por ano”.

A Bíblia assume uma função provocadora e apelativa, interrogando cada tempo e cada época da história, porque “a sua leitura oferece respostas para os problemas de sempre, questiona e sugere, adverte e liberta, mantendo o leitor à escuta e na interrogação” (A. Santos Vaz, a. c., p. 452). Apresenta-se como “uma instância crítica para o ser humano se rever ao mais alto nível e se transcender; uma instância crítica que faz pensar, desafia, alerta, determina a ação” (A. Santos Vaz, a. c., p. 452). Eis porque “é impossível escravizar mental ou socialmente um povo que lê a Bíblia” (Isaac Newton). Além disso, “na sua leitura, o livro da Bíblia exprime a verdade do livro do homem que eu sou diante dos outros” (A. Santos Vaz, a. c., p. 452). À luz do texto bíblico, cada um de nós se revê e se refaz.

A Escritura ajuda a compreender o mundo e torna a pessoa mais humana, abrindo janelas que a ciência e a técnica não conseguem abrir e, por vezes, até fecham. Talvez seja isto que Fernando Pessoa quer dizer, quando afirma: “a influência da Bíblia sobre a vida e a conduta humana prova a sua inspiração. Os lares tornam-se felizes, as vidas limpas e as nações prósperas e justas, quando se submetem aos preceitos da Santa Palavra de Deus”.

Por tudo isto, parece óbvia a afirmação de Almada Negreiros: “Estou persuadido de que não existe na história da humanidade um livro tão valioso como a Bíblia, e não existirá jamais... E isto é verdadeiro tanto para o crente como para o descrente”. De facto, “a Bíblia pertence a todos, aos ateus e aos que crêem. É o livro da humanidade” (F. Dostoievski). Óbvia será também a nossa conclusão: para além de gramática que permite uma melhor compreensão da civilização ocidental, a Bíblia é um compêndio pedagógico a ser usado na educação e na formação das crianças e dos jovens, um verdadeiro património formativo.


Autor: P. João Alberto Correia
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13 setembro 2021