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Um jornalismo diferente

Numa entrevista que deu à revista “Nuestro Tiempo”, publicada pela Universidade de Navarra, a mesma onde se formou em 1999, diz que nunca utiliza câmaras ocultas, mas não faz comentários sobre quem as utiliza. Trabalha com base na confiança, mas tem consciência de que se menciona algum nome “perigoso”, alguns inocentes podem sofrer. Assim, nem a sua própria mulher conhece os contactos que tem para chegar aos seus entrevistados.

Beriain não se contenta com o “furo” ou os prémios que ganhou. Fica sempre com a sensação de não conseguir chegar a contar a história completa, toda a verdade. Diz ele que por detrás de cada homem há alguém que o ama e a quem ele ama: a mulher, os filhos, os pais....

No Peru, por exemplo, quando acompanha o percurso dos tesouros saqueados das sepulturas dos incas, impressiona ver um homem chorar, consciente de estar a fazer algo de errado. Ganha dinheiro com isso, mas afirma que não é o mais importante. O que de facto o apaixona é a possibilidade de estar em contacto com as obras de arte, os tesouros que pertenceram aos seus antepassados. Sonha com a possibilidade de poder transmitir este amor ao filho de modo a que ele venha a tornar-se arqueólogo. No momento, o governo não parece interessado em promover mais explorações (e empregos) e David Beriain não esconde esta realidade incómoda.

O modo competente e delicado com que Beriain faz o seu trabalho incute respeito e admiração. Mostra factos incómodos e também dá a conhecer, respeitosamente, alguns costumes dos índios que habitam estes lugares. Não se trata de “ecologia antropológica”, um mero preservar tribos para que se não perca o seu ADN. Quando David nos mostra a pequena oferenda que aqueles homens fazem aos mortos (cujos túmulos vão escavar), para que os deixem trabalhar sem sobressaltos, não sorri, não comenta, não troça. Ficamos, isso sim, com alguma sensação de desconforto. Enquanto os “cientistas” procedem de luvas, máscaras e protegidos pela lei, os índios expõe-se a perigosas aventuras e ainda sofrem a tortura de se enfrentarem com a ira dos espíritos dos seus antepassados e da sua própria consciência. Parece que este repórter entende cada homem no seu todo de corpo e espírito, e respeita-o, embora não partilhe das suas convicções e atuações.

As suas reportagens levam a refletir. A necessidade de procurar meios de subsistência leva algumas pessoas a violarem a lei, a lei “inventada” por “gente civilizada”. Na selva amazónica, por exemplo, David consegue contactar com alguns sobreviventes de duas tribos nativas . O seu território está, supostamente, delimitado e protegido pelo governo, mas é rico em petróleo e madeiras exóticas. Estes indígenas sentem-se lesados e ameaçados por madeireiros e empresas petrolíferas que invadem o seu território com a proteção das autoridades. Defendem-se, matando os desconhecidos com lanças, tornando-se, assim, procurados pela justiça. Mas, se forem assassinados pelos disparos de pistolas e espingardas dos guardas das empresas, as suas vidas são consideradas sem valor, desconhecidas. Os sobreviventes queixam-se amargamente: na selva, alimentam-se com os frutos das árvores, a carne dos peixes dos rios e dos animais que caçam. O petróleo não lhes é útil. Se lhes destroem a selva, de que irão viver? Ninguém se irá importar com eles. Para os brancos, não passam de animais. 

Impressiona-nos constatar como há ecologistas que se empenham em preservar espécies em extinção, mas não se preocupam com tribos e costumes em extinção. David Beriain e a sua equipa de reportagem várias vezes arriscaram a vida para nos darem mais informações sobre o nosso mundo, um mundo que devemos amar e proteger.


Autor: Isabel Vasco Costa
DM

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26 março 2017