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Um golpe, na montanha sagrada

l - "Quem consente o mais, consente o menos"). Inventado pelos romanos, este princípio geral do Direito, já tem 2.000 anos; e aplica-se aqui. Um povo que aceitou tranquilamente a destruição dos monumentais vales do Sabor e do Tua (por barragens), aceitará qualquer atentado menor que venha a seguir.

2 - Nova barragem para rega, a degradar a paisagem transmontana). Falava-se dela há já vários anos. É perto dum lugar chamado "Olgas" e numa ribeira, a da "Redonda". Acima das aldeias do Vieiro e de Freixiel, no concelho de Vila Flor, outrora chamada Póvoa de Além-Sabor. Mas assim rebatizada, dada a sua grandiosa beleza natural, pelo próprio grande rei D. Dinis. Sendo as referidas duas aldeias, as da origem familiar da pintora Graça Morais, que tem até um museu com o seu nome na vila; mas cuja "sensibilidade artística" suportou com facilidade há poucos anos, as barragens que destruíram largas dezenas de quilómetros em 2 preciosíssimos e únicos vales profundos: os do Tua e do Sabor. Em aliança objectiva com os sujos interesses que à época aproximavam a EDP e o "nada corrupto", sabe-se agora, governo de Sócrates.

3 - Termina já em 28 de Maio a fase de "consulta pública"...). Estamos em "democracia" (tão virtual como a Internet...) e numa República. Por isso, há necessidade de o processo de construção da barragem passar por uma fase prévia de "consulta pública", apenas formal. Fase essa que, como é costume nestes processos, comandados por grandes empreiteiros, não servirá rigorosamente para nada. As opiniões contrárias dos particulares, vão para o cesto dos papéis. As diversas ONG ambientais vão-se na prática abster, ainda que uma ou outra faça ecoar adequados (mas inúteis) protestos. Quando muito, será imposta alguma multa insignificante ou exigência de cumprimento de detalhes inócuos.

4 - É "impacto" ambiental que se diz...). E não "impacte", como continuam a insistir alguns, prováveis falantes de "engenheirês" ou de "empreiteirês". É possível que a essas pessoas, há 20 ou 30 anos atrás, fosse estranha a palavra "impacto" (no sentido de "batida", "choque", "pancada"). Talvez pensassem que era algum neologismo, cujo significado misterioso logo se descobriria em algum dicionário de qualidade, ou na "wikipedia". Vai daí, resolveram transportar uma palavra parecida, "impact", directamente do inglês (melhor, do "ameriquês") para o português; acrescentando-lhe um sábio "e" no final. Mas não é assim. Por azar, a palavra portuguesa "impacto", provém directamente do latim tardio "IMPACTUS" (o genitivo é igual, o tema termina em "u"), que é o particípio passado de "IMPINGERE" (arremessar). Será eventualmente por estes motivos (de ignorância lexical) que, quando as pessoas pensam que estão a avaliar o "impacto ambiental" de uma obra, estão apenas a participar num "pró-forma" inútil, que não leva a nada. Assim foi nas barragens do Tua e do Sabor.

5 - Um erro (?) do Mensageiro de Bragança). Foi neste semanário (edição de 22-4-2021) que há dias colhi a notícia do projecto da barragem. Porém, deve ser gralha, no texto aparece que a área da albufeira seria de uns gigantescos 23 a 25 kms quadrados (!). Provavelmente serão apenas 2,3 a 2,5 km2; o que, embora impactante, seria totalmente diferente. O nível pleno seria entre as cotas 480 e 490 metros. É pena, porque, em toda aquela área abundam grandes e redondas fragas de granito intocado, circundadas por belo mato mediterrânico (sobreiros, carrascos, azinheiras, zimbros, pinheiros, estevas, rosmaninhos). Boa parte desse privilegiado ambiente natural (no extremo-norte da vegetação mediterrânica da Ibéria) será inundada ou, pior ainda, escacado para fazer o muro da barragem; ou para dar lugar a ridículos "projectos" subsidiados pela UE, para o plantio de pequenas oliveiras e amendoeiras. Em "benefício" de algumas dezenas de micro-agricultores locais, cuja cultura geral não lhes permite ver o valor daquilo que estão a destruir; até sob o ponto de vista económico e turístico. Num país em que o principal recurso pode vir a ser o Turismo, neste caso o "ambiental".

6 - Desrespeito por normas europeias?). Concretamente, pela "Rede Nacional de Áreas Protegidas" (Parque Natural do Vale do Tua). Por "Sítios de Importância Comunitária" (o vizinho sítio do Rio Sabor e Maçãs). Por "Zonas de Protecção Especial" (idem, no Sabor e Maçãs. Por "Áreas Importantes para as Aves" (idem, no Sabor e Maçãs). E sobretudo pelo forte "Projecto (luso-espanhol) da Biosfera" que engloba boa parte dos distritos de Bragança, Zamora e Salamanca.

7 - Montes sagrados). Desde a Pré-História que a beleza ou a grandeza de certas serras ou montes levou a que os antigos as considerassem "sagradas". É o caso de Monsanto (Beira Baixa), Sintra (montes da Lua), o Jalama (Cáceres), a Estrela, o Marão, o Larouco... As tradições pré-cristãs de T. os Montes falam das "7 irmãs". Entre estas, a Senhora da Cunha (Alijó); Bouzende (serra da Nogueira); Agrochão; Castelo (Ansiães); S. Salvador do Mundo (Pesqueira); Sª Comba (na serra do Franco e Passos); e a famosa Senhora da Assunção (no mt. do Faro, Vilas Boas, Vila Flor). A qual, vista de frente e ao longe, lembra um fantasma negro, com os braços abertos. Ou um açor a caçar, de asas abertas, que de súbito aparece por trás de um cômoro. Como há anos, lá mesmo e a 10 metros de mim, me foi dado ver, na quinta da Peça. O rio Tua lá em baixo; o local da projectada barragem, bem lá para cima e para sul, abaixo de Samões...


Autor: Eduardo Tomás Alves
DM

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11 maio 2021